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Prêmio Nobel para Malala pode ajudar a combater o Estado Islâmico

DEU EM O GLOBO – O comitê do Prêmio Nobel da Paz citou o trabalho de Malala Yousafzai e Kailash Satyarthi de “luta contra a repressão de crianças e jovens e pelo direito de todas as crianças à educação,” mas é o trabalho de Malala em defesa das meninas e das mulheres que é o mais importante hoje para promover a paz no mundo. Como já escrevi antes, a repressão sistemática das mulheres é a maior injustiça da história e que deve ser tratada o quanto antes. Mas além desta preocupação, em um mundo em que uma das maiores ameaças internacionais vem da propagação de grupos extremistas islâmicos, é de máxima urgência que nós também tenhamos consciência como é essencial dar mais poderes às mulheres para derrotar os jihadistas.

A correlação entre a repressão dos direitos das mulheres e a instabilidade no mundo moderno é absolutamente clara. A cada ano, o Fórum Econômico Mundial produz o relatório Gender Gap. Em 2013, ele acompanhou 136 países na educação, poder econômico, saúde e capacitação política das mulheres. Consideramos as principais nações em conflitos extremistas. Alguns, como a Somália, Líbia e Afeganistão, nem mesmo fizeram os seus relatórios. Mas aqueles que participaram, a classificação é a seguinte no ranking: Nigéria, 106, Bahrein, 112, Qatar 115, Kuwait 116, Jordânia 119, a Turquia 120, Argélia 124, Egito 125, a Arábia Saudita 127, Mali 128, Marrocos 129, Irã 130, Síria 133, Paquistão 135, e por último o Iêmen 136.

Um relatório de 2011 da Newsweek sobre os melhores e piores lugares para as mulheres colocam Sudão, Etiópia, Paquistão, Níger, as Ilhas Salomão, Mali, República Democrática do Congo, Iêmen, Afeganistão e Chade, nas dez primeiras piores colocações. Em um relatório similar da Marie Claire, de junho, os dez piores países são Índia, Iêmen, Iraque, Paquistão, Nepal, Peru, Turquia, Sudão, Afeganistão e República Democrática do Congo. E ainda um outro ranking indicou os 10 piores, como Iraque, Paquistão, Índia, Somália, Mali, Guatemala, Sudão, República Democrática do Congo, Afeganistão e Chade.

Leia também: Defensores dos direitos da criança levam Prêmio Nobel da Paz

Países com ideologias extremistas tratam mal as mulheres. Eles misturam cultura e heranças religiosas para promover práticas abomináveis ​​e indefensáveis ou simplesmente não reconhecem os direitos de mulheres e meninas. Isso leva-se a práticas atrozes de grupos como, o Estado Islâmico (EI). Em sua revista on-line produzida em inglês, Dabiq, o grupo defende a escravidão de meninas e mulheres yazidis e tomá-las como concubinas, argumentando que a prática é “firmemente estabelecida na Sharia”.

Claramente, esses bandidos brutais temem o poder das mulheres e estão apavorados com o que pode acontecer com o fortalecimento da educação. Poucas histórias ilustram isso tão bem quanto o atentado contra a Malala, que incomodava pelo seu ativismo para garantir a pobres meninas o direito de ir à escola. Alegando crédito para o ataque, o porta-voz do talibã a chamou de “símbolo dos infiéis e obscenidade” e justificou-a como uma ameaça contra o Islã.

Muitos países nas listas dos piores lugares do mundo para as mulheres são islâmicos o que ilustra claramente um problema que os líderes muçulmanos tem com sua teologia e as sociedades do futuro. Porém, maus tratos — ou até mesmo assassinatos, como no caso de crimes de honra — não é visto pela grande maioria da comunidade de 1,6 bilhão de muçulmanos como tolerável. Novos modelos estão evoluindo, como na Turquia, onde negócios e comunidades educacionais turcas comprovam que dar poder às mulheres é uma onda crescente e que vale a pena aproveitar.

Em algumas comunidades no Oriente Médio em meio a essas crises, fortes correntes de mudança estão em andamento. Em 2003, Shirin Ebadi do Irã ganhou o Prêmio Nobel da Paz em reconhecimento ao seu trabalho específico para as mulheres. Em 2011, Tawakkol Karman do Yemen (junto com as da Libéria, Ellen Johnson Sirleaf e Leymah Gbowee) foram igualmente homenageadas.

Hoje, outros símbolos desses modelos emergentes de maior tolerância se juntam à Malala na frente de batalha contra os extremistas. Mariam al-Mansouri, de 35 anos, a primeira piloto da Força Aérea dos Emirados Árabes Unidos participou dos ataques contra o Estado Islâmico. E algumas das histórias mais inspiradoras contra os extremistas na Síria e no Iraque, são as unidades curdas Peshmerga, em grande parte composta de mulheres, que lutam bravamente contra o EI e outros militantes islâmicos.

De acordo com a Síria Deeply, quase um terço dos combatentes do braço armado do Partido da União Democrática (em curdo o PYD) são mulheres. Mulheres curdas têm lutado contra os turcos há décadas, e desenvolvendo um gosto particular pela luta contra os jihadistas, dado as atitudes extremamente opressivas deste último em relação às mulheres. Uma dessas militantes diz: “Eu acredito em uma causa maior, que é proteger nossas famílias e as nossas cidades da brutalidade e pensamentos sombrios dos extremistas …. Eles não aceitam as mulheres em cargos de liderança. Eles querem nos cobrir e nos transformar em donas de casa, só para atender suas únicas necessidades. Eles acham que não temos o direito de falar e controlar nossas vidas.”

Mas histórias de Malala e Mariam al-Mansouri, são aberrações em um mundo em que os papéis das mulheres ainda são profundamente circunscritos. Seria um erro sugerir que a corrente de luta é pró-mulher versos anti-mulher, uma vez que alguns membros da coalizão anti-EI são notórios por seus maus tratos às mulheres, como os sauditas, que ainda têm de conceder às mulheres o direito de dirigir ou qualquer tipo de poder político ou econômico real.

Mas reverter a propagação do extremismo e, finalmente, derrotá-lo, é o imperativamente estratégico e que não deve apenas orientar a nossa batalha contra o EI, mas também contra todos os outros grupos extremistas, como o Boko Haram que sequestrou centenas de meninas. Apenas parte do problema é derrotar os combatentes jihadistas armados que enfrentamos no campo de batalha.

Como o economista Larry Summers escreveu, “investimento na educação das meninas pode ser o maior investimento de retorno disponível no mundo em desenvolvimento.” É por isso que a questão é tão central para os objetivos de desenvolvimento do milênio das Nações Unidas. Mas para realmente garantir que as questões das mulheres sejam tratadas de forma justa, é preciso a concessão de voz política representativa para elas, bem como garantir a proteção igual perante a lei. Nenhuma dessas coisas é possível nas ideologias extremas adotadas por grupos jihadistas, nem são possíveis nos chamados ambientes “moderados” de alguns dos aliados dos Estados Unidos na guerra contra o EI. Promover um tratamento justo para as mulheres, desfazer séculos de opressão, educá-las e dar-lhes oportunidade econômica, é a única maneira de negar um apoio futuro para as pessoas com pontos de vista extremos e marginais perigosos, e, ao mesmo tempo, fazer o que é certo interessa a longo prazo os países em questão.

Dar oportunidades e mais poder às mulheres desfaz séculos de injustiça e enriquece as sociedades. Mas pode desempenhar um papel vital também para ajudar a derrotar algumas das organizações mais perigosas hoje em dia. É por esta razão que esses grupos estão tão assustados com uma adolescente como Malala ou pelo progresso que representa mulheres que lutam contra o extremismo no Oriente Médio. Elas são o tipo de mudança que pode relegar permanentemente as filosofias e práticas medievais de grupos como o Estado Islâmico ao monte de cinzas da história, onde é o lugar deles.

*DAVID ROTHKOPF, para o WASHINGTON POST.

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Opinião: Amar a cidade

Por Aloísio da Franca Rocha Filho*

Não se ama uma cidade apenas porque aí se nasce. O amor à pessoa, natural, precede o amor à cidade. O amor à cidade é um sentimento mais tardio. Chega com a idade da razão, a percepção, a inteligência e o sentimento do indivíduo antenados à vida prosaica urbana que estimula gostos por lugares naturais e espaços urbanos, o que neles se constroem ou não para o convívio social. Por isso, o amor à cidade jamais escapou dos laços afetivos dos indivíduos. Suas confissões públicas lotam a literatura, as artes, a filosofia, a arquitetura, a canção. O exemplo maior procede mais uma vez da Antiguidade e de duas cidades ícones e rivais: Atenas e Esparta.

Este tema – o amor à cidade – recentemente alimentou-se de uma boa nova que lhe deu asas. O Rio de Janeiro.  Primeira cidade do mundo a receber o título de  Patrimônio Artístico Mundial como Paisagem  Cultural, da Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura (Unesco). Nada mais justo para o Rio, para os cariocas, e por que não para nós brasileiros que, de há muito, nos deleitamos com o Rio, ele mesmo uma paisagem, incrustado em belas paisagens. Talvez até um reconhecimento tardio desta obra de Deus que a mão do carioca ora conserva e melhora ora agride e mexe para baixo a sua beleza. Coisas próprias do ser humano atuando como uma “espécie de deus protético” (Freud),que deambula daqui para ali com suas criações na busca da felicidade, mas parece hoje não se sentir feliz com tal semelhança.

O Rio de Janeiro continua lindo. Com todos os seus problemas. A sua recente descoberta pelo olho mundial pós-moderno confirma o que o Rio fotografou de há muito no olho da tradição e entre nós: beleza e sedução.

Mas um pedaço da Bahia, o Centro Histórico de Salvador e nele encravado o Pelourinho, também  recebeu em 1985, o honroso titulo de Patrimônio Artístico e Cultural da Humanidade da mesma UNESCO. Menos pela passagem do dedo de Deus por ali (embora não Lhe faltem invocações),mas mais pelo reconhecimento do seu valioso acervo arquitetônico historicamente marcado pelos trabalhos do senhor e do escravo, do artesão e do homem livre, enfim, da carne na pedra.

Seus frutos: igrejas e conventos, sobrados e monumentos, praças e fontes, ruas e calçadas, calhas e esgotos. Ali circulavam homens, mulheres e crianças para seus trabalhos e lazeres, o comércio do suprimento e reposição de mercadorias, o sobe e desce das gentes da cidade alta para a baixa. O Centro Histórico e o Pelourinho eram um lugar de uso, de concentração de serviços, de equipamentos públicos  e também de odores.

No passado recente projetos equivocados contribuíram para evanescer essa mobilidade. Hoje desértico, perigoso, um oásis da droga e do crime. Ao turista resta a foto-lembrança de um espaço público em decomposição. Contudo, lá sopra o que mais sutil se move e se reinventa: o vento fresco, colonial e  barroco da acrópole na cara dos passantes a rodopiar, ainda, as saias das mulheres baianas e das turistas.

Vivemos então em uma cidade também porque a amamos, e desejamos continuar neste território.  A perda de um espaço público dessa magnitude cultural debilita a sociabilidade, rebaixa a nossa auto-estima, cava um lugar de dor no nosso corpo.

Tanto mais quando uma cidade, ou parte dela, ganha foros de Patrimônio Cultural da Humanidade. Aí ela dá um salto. Ela que nunca foi só de seus filhos – muitos ainda pensam assim- mas, de todos os que a pretendem, se alarga.  Neste sentido, ela não se globaliza, se mundializa. Sem amor uma cidade não vive. Nem resiste.

Os atuais poderes público municipal e estadual conservam  este patrimônio da Humanidade na Bahia? Os futuros o revitalizarão?

Amar aqui é verbo transitivo. Amar a cidade. No plano da língua estamos salvos porque carece totalmente poder ao poder político a metamorfose do transitivo em intransitivo. Mas este poder político pode deixar morrer parte do Centro Histórico de Salvador (Pelourinho), espaço significativo da cidade e aqui objeto do transitivo amar. Se o poder político chegar até lá dolorosamente perguntaremos: amar o quê?

*Aloísio da Franca Rocha Filho é jornalista e diretor da ABI – Associação Bahiana de Imprensa. Originalmente publicado no Jornal A Tarde.

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