Notícias

200 anos de história consumidos pelas chamas do descaso

Fósseis, múmias, registros históricos, obras de arte. Mais de 20 milhões de itens históricos e científicos foram destruídos no incêndio que aconteceu no Museu Nacional, no Rio de Janeiro, na noite deste domingo (2). O acervo da instituição que completou 200 anos este ano começou a virar cinzas por volta das 19h e o fogo só foi controlado no fim da madrugada desta segunda-feira (3). Como boa parte da estrutura do prédio era de madeira e o acervo tinha material inflamável, as chamas se espalharam rapidamente. Pedaços de documentos queimados foram parar em vários bairros da cidade, transformando em poeira não só uma parte importante da história do Rio de Janeiro ou do Brasil, mas registros fundamentais para a história mundial.

O Museu Nacional é uma instituição autônoma, integrante do Fórum de Ciência e Cultura da Universidade Federal do Rio de Janeiro e vinculada ao Ministério da Educação. Como museu universitário, vinculado à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), a instituição tem perfil acadêmico e científico. O museu abrigava um acervo histórico desde a época do Brasil Império, tendo servido de residência para um rei e dois imperadores. Além de ter sido residência oficial da família real no Brasil entre 1816 e 1821, o prédio histórico foi palco para a primeira Assembleia Constituinte da República, entre novembro de 1890 e fevereiro de 1891, que marcou o fim do império no Brasil.

A tragédia teve grande repercussão entre as entidades e personalidades que atuam no cenário cultural. Pesquisadores, professores e artistas usaram as redes sociais para lamentar a perda. Uma manifestação tomou conta da entrada da Quinta da Boa Vista, onde fica o Museu Nacional, em apoio à instituição na manhã desta segunda-feira (3). Grande parte dos manifestantes formada por estudantes da UFRJ.

Em meio a manifestações e denúncias sobre a situação de descaso com o patrimônio histórico brasileiro, políticos de diferentes partidos e candidatos em campanha eleitoral também usaram as redes sociais para falar sobre o incêndio. A Agência Lupa realizou uma checagem e descobriu que só 2 dos 13 programas presidenciais falam em proteção a museus, evidenciando a quase invisibilidade da área cultural. Confira aqui

Descaso – Apesar de sua importância histórica, o Museu Nacional também foi afetado pela crise financeira da UFRJ e há pelo menos três anos funcionava com orçamento reduzido, segundo reportagem do Bom Dia Brasil, em maio. A situação chegou ao ponto de o museu anunciar uma “vaquinha virtual” para arrecadar recursos para reabrir a sala mais importante do acervo, onde fica a instalação do dinossauro Dino Prata. A meta era chegar a R$ 100 mil.

Para a museóloga do Museu de Imprensa da ABI, Renata Ramos, a tragédia expõe o descaso com nosso patrimônio histórico e a falta de uma política que proteja os museus brasileiros. “Como a maioria dos nossos museus, o Museu Nacional vinha sofrendo com a falta de reforma e os cortes no orçamento. Foi uma perda inestimável para a memória mundial”, lamentou.

As causas do fogo ainda não foram esclarecidas. Bombeiros fizeram trabalho de rescaldo nesta manhã. Técnicos da Defesa Civil e do Corpo de Bombeiros Fizeram uma inspeção no Museu Nacional. Eles pretendem calcular o tamanho do estrago e descobrir o que pode ser resgatado. A Polícia Civil abriu inquérito e repassará o caso para que seja conduzido pela Delegacia de Repressão a Crimes de Meio Ambiente e Patrimônio Histórico, da Polícia Federal, que irá apurar se o incêndio foi criminoso.

Acervo – O acervo do museu foi formado ao longo de mais de dois séculos por meio de coletas, escavações, permutas, aquisições e doações. Ele abrigava coleções de geologia, paleontologia, botânica, zoologia, antropologia biológica, arqueologia e etnologia. A mais antiga instituição cientifica do país guardava alguns dos mais relevantes registros da memória brasileira e mundial no campo das ciências naturais e antropológicas.

Entre seus principais tesouros estavam a primeira coleção de múmias egípcias da América Latina e o Bendegó, o maior meteorito já encontrado no Brasil – ele foi achado no sertão da Bahia no século 18 e pesa mais de 5 toneladas. O fóssil humano mais antigo já encontrado no Brasil, batizado de “Luzia”, faz parte da coleção de Antropologia Biológica. A história dos povos indígenas também faz parte do acervo do museu com, por exemplo, uma coleção de trajes usados em cerimônias dos índios brasileiros há mais de cem anos.

*Informações são do G1/Rio.

publicidade
publicidade
Notícias

Artigo: Sérgio Mattos, 70 anos de um jovem que faz acontecer

Por Francisco Viana*

Sérgio Mattos é mais que um jornalista. Ele é um dos precursores da aproximação do mercado jornalístico com a Academia, numa época em que isso soava quase como uma heresia. Pesquisador da Sociedade Brasileira do Estudos Interdisciplinares da Comunicação, com ênfase para a televisão, doutor pela Universidade do Texas, escreveu para a Tribuna da Bahia e A Tarde, sempre se destacando pela vasta produção literária. Do livro especializado ao artigo, da poesia ao ensaio, revela-se, acima de tudo, um intelectual sensível e progressista, denso e atento às diferentes versões da comunicação. Sempre acompanhou sua época e soube ler as mudanças do tempo, se curvando aos ensinamentos da poeta Hilda Hilst, que ele cita em uma epígrafe: “Há sonhos que devem ser redesenhados, projetos que não podem ser esquecidos.” E assim tem sido.

Quem ler as suas memórias, Vida Privada no Contexto Púbico, certamente descobrirá uma nova faceta de Sérgio Mattos: o romance de formação. No passado, a referência ao romance de formação foi concebida por Goethe em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, escrito entre 1794-1795, obra que inova com os conceitos de possibilidade e o diálogo da individualidade com a sociedade e seu estranhamento com o mundo. Mattos fixa-se nas suas experiências públicas e, nesse ambiente, transcende o plano autobiográfico para transmitir valores que exercitou ao longo dos seus mais de 50 anos de dedicação ao jornalismo e mais de 40 ao ensino universitário, hoje centrados na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Corajoso esse cearense nascido há 70 anos em Fortaleza que chegou à Bahia no distante ano de 1959, aos 11 anos, o mesmo ano em que a Bossa Nova foi apresentada ao mundo na forma da trilha sonora do filme Orfeu Negro, dirigido pelo cineasta francês Marcel Camus. Ele foi para os Estados Unidos sem quase falar inglês e voltou não apenas fluente, mas com vários convites para ensinar em universidades americanas.

Fez novamente opção pela Bahia e, daqui construiu o seu universo de vivências e realizações. Não imagina como teria sido sua carreira se tivesse ficado nos EUA, mas é certo que teria vencido.

A vida de Sérgio Mattos foi movimentada desde a juventude. Militante da Juventude Estudantil Católica, que se desdobrou na Ação Popular, na defesa de um socialismo humanista – a esquerda cristã no Brasil, de saudosa e brava memória –, envolveu-se com teatro, música, promoção da cultura baiana, edição de livros e foi idealizador de A Tarde Municípios. Experiência regional pioneira no País que de 1985, quando começou, a 2003, quando se desligou do jornal, muito contribuiu para fazer de A Tarde o maior jornal do Norte e Nordeste do Brasil. A Tarde Municípios circulava com um mínimo de oito páginas, chegando a registrar recordes de 32 páginas duas vezes por semana. A partir de 2000 sua circulação foi diária. Dava voz a todos os municípios e elasteceu o mercado publicitário.

O livro Vida privada no contexto público é, à primeira vista o registro das vivências de Mattos, mas é também um retrato do Brasil. A história da Bahia é contada tendo como pano a história brasileira, assim como a história do venerando jornal A Tarde, de mais de 100 anos, hoje ameaçado de fechar as portas. Há nessa fusão, Bahia-Brasil-jornalismo, uma crítica social, a dialética entre o público e o privado e inquietude na busca de novo caminhos. Três casamentos, três mulheres de “ personalidades fortes”, muitas descobertas, muitos sucessos e frustrações depois, Sérgio permanece um vivo sonhador. Aos 70 anos, é um exemplo para as novas gerações pois permanece jovem e sonha. Seus livros sobre televisão, entre eles A televisão na era da globalização e História da televisão. Brasileira são clássicos no gênero.

Fui contemporâneo de Sérgio Mattos. Quando comecei na profissão ele, originário da Tribuna da Bahia, era quase um mito no jornalismo. Sua trajetória revela-se real. E ele, de carne e osso, um homem destemido, criativo e poético. É motivo de justificado orgulho para todos que o acompanham. A Sérgio Mattos o melhor das nossas homenagens.

*É jornalista e doutor em Filosofia Política ( PUC-SP). Texto publicado no jornal Tribuna da Bahia,  em 31-08-2018

publicidade
publicidade