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Como a Lei de Abuso de Autoridade impacta no jornalismo policial

Por Tainan Lopes*

Sancionada pelo presidente Jair Bolsonaro em 5 de setembro do ano passado, a Lei  de Abuso de Autoridade (Nº 13.869) entrou em vigor no dia 3 de janeiro de 2020. O regimento válido em todo o território brasileiro visa definir punições para condutas consideradas excessivas durante investigações e processos judiciais cometidos por agentes e servidores públicos dos três poderes (Executivo, Legislativo e Judiciário, inclusive o Ministério Público). A pena prevista para tal crime é de 1 a 5 anos de prisão, sendo passível também de indenização e exoneração do cargo. Apesar de entrar em vigor somente em 2020, juízes já utilizam a lei para fundamentar decisões.

Atos considerados crimes

  • Prisão: decretar ou manter prisão ilegal ou deferir habeas corpus quando cabível.
  • Condução: conduzir coercitivamente de testemunha ou investigado de maneira descabida ou sem prévia intimação do juiz. Manter presos de ambos os sexos na mesma cela ou crianças de até 12 anos.
  • Constrangimento: constranger o preso ou o detento, mediante violência, grave ameaça ou redução de sua capacidade de resistência.
  • Interrogatório: obrigar o preso ou investigado a produzir prova contra si mesmo ou contra terceiro. Pressionar ou ameaçar a depor pessoa que tenha decidido exercer o direito ao silêncio.
  • Domicílio: invadir ou adentrar, clandestina ou astuciosamente, ou à revelia da vontade do ocupante, imóvel alheio ou suas dependências, ou nele permanecer nas mesmas condições, sem determinação judicial ou fora das condições estabelecidas em lei.
  • Investigação: antecipar o responsável pelas investigações, por meio de comunicação, inclusive rede social, atribuição de culpa, antes de concluídas as apurações e formalizada a acusação.
  • Divulgação: constranger e exibir o preso ou parte de seu corpo à curiosidade pública. Submetê-lo à situação vexatória ou constrangimento público e divulgar imagens de suspeitos atribuindo a eles culpa por um crime sem relação com a prova, expondo a intimidade ou a vida privada ou ferindo a honra ou a imagem do investigado ou acusado.

Apesar de não ser o objetivo da lei, o último item impacta diretamente na atual produção de jornalismo policial na Bahia, especialmente em Salvador. Com a proibição de divulgar a imagem do preso ou investigado por parte dos agentes, os programas sensacionalistas perdem sua dose de audiência que antes eram promovidas com base na divulgação dos mesmos. Não é incomum se deparar com programas chamados de “policiais”, que se baseiam em abordagens desumanas que tendem a ridicularizar os entrevistados em portas de cadeias. Sob o jugo da nova lei, programas jornalísticos como “Balanço Geral”, “Cidade Alerta”, “Ronda”, e os extintos “Na Mira” e “Se liga Bocão” estariam compactuando com os crimes previstos, uma vez que corroboram com o constrangimento do preso.

Todavia, tal análise tem dois pontos de vista: a primeira diz respeito aos valores éticos da profissão. Já a segunda discorre sobre a estereotipização da audiência pobre que assiste a tais programas.

A espetacularização da violência ocupa horários nobres da televisão brasileira e baiana. Apoiados numa falsa pretensão de seguir os critérios de noticiabilidade, como o caso da reportagem “Acusado de estupro quer fazer exame de próstata” produzida pelo Brasil Urgente Bahia, da TV Band Bahia, que segue fazendo um desserviço com o jornalismo sério. O vídeo de 2012 mostra uma entrevista realizada pela jornalista Mirella Cunha zombando de um preso acusado de roubo e estupro. Mirella ri do acusado que confunde exame de próstata com exame de corpo de delito. Após a repercussão do caso, a TV Band Bahia foi condenada a pagar R$ 60 mil reais por danos morais coletivos.

Sob o pretexto de que seguem os critérios de noticiabilidade tais programas empregam discurso de ódio e desrespeito à integridade física e moral do ser humano. As questões éticas do jornalismo são deixadas de lado, já que a audiência é mais importante. Raros são os casos que, como o citado acima, implicam em uma ação judicial, demonstrando como a sociedade está acostumada com tais cenas, principalmente a chamada “classe C”, que representa a população de classe baixa e o grande volume da audiência dos programas sensacionalistas. Deste modo, são destinados à classe C programas que mostram violência, evidenciando a estereotipização da população pobre.

A produção de programas que lucram e disseminam a propagação da violação dos direitos dos presos, de imagem, a dignidade humana e presunção de inocência vai contra o papel do jornalista, partindo do pressuposto que o trabalho do jornalista é o de ser o interlocutor entre dois lados e criar pontes para que o cidadão compreenda a sua posição na sociedade.

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*Tainan Lopes é graduada em Comunicação Social com Habilitação em Jornalismo pela UNIRB. Tem experiência em assessoria de comunicação de órgãos públicos. Atualmente é editora e repórter do JornaLAB.

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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