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Cortes de verbas da Secult suspendem projeto do Memorial da Resistência

Entidades da sociedade civil e órgãos oficiais ligados ao segmento da cultura se reuniram na sede da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), na manhã desta terça-feira (12), para refletir sobre os principais desafios na implantação do projeto “Memorial da Resistência Carlos Marighella”. O evento, que fez parte do ciclo “Três novos endereços de Cultura”, foi coordenado pelo presidente da ABI, Walter Pinheiro, e contou com as apresentações do arquiteto Pasqualino Magnavita, a professora Maria Teresa Navarro de Brito Matos e o advogado Carlos Augusto Marighella, filho do militante Carlos Marighella (1911-1969) – assassinado pelo regime militar enquanto lutava pelas liberdades democráticas no país durante a ditadura.

O projeto para a criação do Memorial da Resistência é uma bandeira levantada há anos por diversos movimentos sociais e ganhou força em 2011, quando, por iniciativa de Carlos Augusto Marighella, foi encaminhado o pedido ao Governo do Estado da Bahia. O espaço vai guardar e expor documentos e obras de todos os que combateram a opressão na Bahia, desde a Revolta dos Malês (1835) e a Sabinada (1837-38) até embates mais recentes, com destaque para a oposição à Ditadura Militar.

Filho do militante, Carlos Augusto Marighella criticou os cortes de verbas no setor cultural
Filho do militante, Carlos Augusto Marighella criticou os cortes de verbas no setor cultural

Para Carlos Augusto Marighella, o objetivo agora é que o Governo transfira a propriedade dos imóveis destinados a abrigar o memorial, os casarões de números 28 e 30 da Rua João de Deus, no Pelourinho. “Nós temos solicitado ao governador que ceda formalmente os imóveis para a instituição que o GT do Memorial da Resistência indicou como permissionária – o Grupo Tortura Nunca Mais –, para que a gente possa ter um domínio material sobre os imóveis. Com a cessão dos imóveis, a gente dá o primeiro passo”.

O advogado afirma, ainda, que a questão financeira é o principal entrave e aponta os cortes orçamentais no setor cultural como responsável pela suspensão do projeto. “Pedimos também que ele [o governador] inclua o projeto na programação orçamentária do próximo ano, porque as obras estão paradas em razão do fato de que a Secretaria de Cultura foi atingida brutalmente por esse contingenciamento. Retiraram recursos, então, esse momento é de debate, de troca de ideias”.

Magnavita explica detalhes do projeto básico que aguarda a aprovação do IPHAN
Magnavita explica detalhes do projeto básico que aguarda a aprovação do IPHAN

O arquiteto Pasqualino Magnavita falou sobre as limitações técnicas que envolvem o projeto desenvolvido por ele e que se encontra em fase de aprovação pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN). “É preciso primeiro que o IPHAN aprove o projeto básico. Como é um projeto moderno, uma coisa nova no Centro Histórico, encontra resistência por parte do órgão. Depois, precisamos de um projeto executivo, para existir a licitação. E, por último, o projeto museugráfico. Mas retiraram os recursos. Então, está tudo parado. Eu lamento que um governo que se diz preparado para lutar pela democracia no Brasil não tenha se empenhado em fazer desse importante museu um marco de sua gestão”, criticou.

Segundo a professora Maria Teresa Navarro de Brito Matos, diretora do Arquivo Público do Estado da Bahia, a implantação do memorial esbarra em um problema grave, que é a falta de colaboração dos órgãos públicos na disponibilização de documentos. “A política arquivística é uma ferramenta poderosa de combate às violações dos direitos humanos. Lamentavelmente, no Arquivo Público, não houve o recolhimento de documentos desse período [regime militar]. Por causa disso, até o momento o Arquivo esteve impedido de participar da rede de instituições que expressam seu compromisso com o direito da sociedade à memória e à verdade”.

Por parte do Governo, o órgão responsável pela execução do projeto é a Secretaria de Cultura do Estado da Bahia (Secult), que ficou encarregada de dar apoio, por meio do Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (IPAC). De acordo com o representante da Secult na reunião, o arquiteto Ayrton Ferreira, não há previsão de retomada do projeto. “Estamos agora numa fase difícil, porque o Governo fez uma redução de despesas e suspendeu o contrato do projeto. Estamos fazendo uma pressão para ver reiniciadas as obras, mas não temos prazo, uma vez que não sabemos quando serão liberados os recursos”.

Diretores da ABI participam do debate - Foto: Joseanne Guedes
Diretores da ABI participam do debate – Foto: Joseanne Guedes

Membro do Grupo Tortura Nunca Mais, que originou a ideia do memorial e começou a recolher arquivos do período ditatorial, Ana Guedes acredita que o debate sobre a situação do projeto é um passo importante. “Recebo essa iniciativa da ABI com muita alegria e satisfação, porque é mais um avanço na divulgação e na busca de novos para a efetivação desse memorial, que é fundamental para a preservação da história do povo baiano. A população precisa se apropriar dessas informações, para que nunca mais aconteçam fatos ocorridos no passado”.

“Hoje, constatamos que, depois da regularização da documentação referente às sedes e da liberação dos recursos, o maior problema para a construção do memorial da Resistência é o recolhimento das peças que vão compor o acervo. Isso requer um trabalho interdisciplinar, com a participação efetiva da sociedade. Nós acolhemos o projeto e manifestamos hoje o nosso apoio formal. Atingimos uma parte da nossa missão, que era promover uma discussão objetiva sobre a situação do memorial e esperamos alcançar os meios para torná-lo realidade em breve”, afirmou o diretor de Cultura da ABI, Luís Guilherme Tavares.

Novos endereços de cultura

A discussão sobre o Memorial da Resistência dá continuidade às reflexões propostas pela ABI, com o apoio do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB). A primeira edição do evento “Três Novos Endereços de Cultura” abordou a situação da primeira sede do governo primaz da Igreja Católica, o Palácio Arquiepiscopal de Salvador, que passa por intenso processo de arruinamento. O debate iniciado no dia 22 de abril, com a palestra do arquiteto e professor Francisco Senna, foi retomado no dia 29 de maio pelo arcebispo de São Salvador da Bahia e primaz do Brasil, dom Murilo Krieger.

No último dia 29, a Arquidiocese de São Salvador da Bahia e a Superintendência do Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (IPHAN) na Bahia apresentaram o projeto de restauração do edifício para implantação do primeiro Centro de Referência da História da Igreja Católica do Brasil. Para impulsionar o início das obras e reforçar a importância histórica do imóvel, a ABI e o IGHB promoverão uma cerimônia de abraço simbólico no Palácio, às 9h30 desta quarta-feira (13).

Além dos debatedores, participaram do evento diretores da ABI; o Centro de Memória da Bahia, da Fundação Pedro Calmon, órgão vinculado à Secretaria de Cultura do Estado da Bahia; o Grupo Tortura Nunca Mais; Fundação Gregório de Mattos; IPAC/Secult; e representantes do GT Memorial da Resistência.

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