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O pioneirismo da Bahia na indústria gráfico-editorial privada brasileira

Por Luis Guilherme Pontes Tavares*

O 10 de setembro não é mais o Dia Nacional da Imprensa. Esse destaque dado à data de estreia da Gazeta do Rio de Janeiro, periódico oficial da Corte Portuguesa no Brasil, criado em 1808, não se sustentou diante da primazia reclamada para o Correio Braziliense; ainda que não se conteste que a Gazeta é, de fato, o primeiro periódico impresso em território brasileiro. O outro foi impresso no estrangeiro. No 10 de Setembro, agora, se comemora o Dia do Gordo.

A decisão do Governo Fernando Henrique Cardoso – Lei 9.831, sancionada em 13 de setembro de 1999 – de distinguir o 1º de Junho como Dia da Imprensa foi fruto do lobby gaúcho que objetivou estabelecer que o pioneirismo do jornalismo impresso brasileiro foi de Hipólito José da Costa Pereira Furtado de Mendonça (1774-1823) com o seu Correio Braziliense ou Armazém Literário, impresso na Inglaterra entre 1808 e 1822. O jornalista Hipólito da Costa nasceu em Colônia do Sacramento, quando essa povoação ainda pertencia a Portugal. Tombada pela Unesco como Patrimônio da Humanidade, Colônia integra o território Uruguai, de modo definitivo, desde 1828.

A decisão de Fernando Henrique Cardoso de sancionar, em 1999, a Lei aprovada no Senado Federal no ano anterior, agradou tanto os gaúchos como ao segmento de comunicadores avesso a tudo que tem sinete oficial.

A propósito de pioneirismo na linha do tempo deste jovem Brasil, somo, desde o final da década de 1980, meus esforços à luta para fixar na nossa história que o português Manoel Antonio da Silva Serva (nascido em Trás-os-Montes, norte de Portugal, no meado da segunda metade do século XVIII, e falecido no Rio de Janeiro em 03 em agosto de 1819) é o pioneiro da indústria gráfico-editorial privada brasileira. O seu periódico Idade d’Ouro do Brazil, lançado em Salvador em 14 de maio de 1811, é o terceiro jornal brasileiro, antecedido apenas pelo Correio Braziliense, impresso em Londres a partir de 01 de junho de 1808, e pela Gazeta do Rio de Janeiro, iniciada em 10 de setembro de 1808, por decisão da Corte Portuguesa refugiada no Brasil. A Gazeta é o embrião do Diário Oficial da União, publicado pela Imprensa Nacional, em Brasília.

Os estudos sobre Manoel Antonio da Silva Serva foram retomados nos últimos anos, de modo mais visível a partir de 2008 e 2011 quando transcorreram, nesta ordem, o bicentenário da Imprensa brasileira e da Imprensa baiana.

Na segunda metade do século XX, foram lançados, nesta sequência, os estudos do bibliógrafo baiano Renato Berbert de Castro (1924-1999) – A primeira imprensa da Bahia e suas publicações: Tipografia de Manoel Antonio da Silva Serva, 1811-1819. Salvador: Departamento da Educação Superior e Cultura (DESC/SEC), 1969 –; dos professores cariocas Cybelle e Marcello de Ipanema – A primeira tipografia do Brasil. Rio de Janeiro: Instituto de Comunicação Ipanema, 1977 –; e da professora luso-brasileira Maria Beatriz Nizza da Silva – A primeis gazeta da Bahia: Idade d’Ouro do Brazil. São Paulo: Cultrix/MEC, 1978.

Na década atual, surgiram duas relevantes publicações sobre a vida e a obra de Manoel Antonio da Silva Serva. A primeira, o fac-símile da revista As Variedades ou Ensaios de Literatura. Salvador: Fundação Pedro Calmon (FPC); Associação Bahiana de Imprensa (ABI); Núcleo de Estudos da História dos Impressos da Bahia (NEHIB); Empresa Gráfica da Bahia (EGBA), 2012, mais um pioneirismo de Silva Serva, datado de janeiro de 1812. É a primeira revista publicada no Brasil; e a segunda, a biografia do pioneiro da indústria gráfico-editorial privada brasileira de autoria de seu descendente e jornalista Leão Serva – Um tipógrafo na Colônia: vida e obra de Silva Serva. São Paulo: Publifolha, 2014. Somam-se a essas iniciativas auspiciosas, os vários artigos que o professor Pablo Iglesias Magalhães, da Universidade Federal do Oeste de Bahia (UFOB), tem publicado em revistas nacionais e internacionais e que revelam aspectos novos da atuação de Silva Serva, sobretudo a ligação dele com a Maçonaria.

Em 03 de agosto de 2019, portanto dentro de menos de um ano, a Bahia e o Brasil deveriam lembrar os 200 anos da morte do empresário Manoel Antonio da Silva Serva, que ingressou na nossa história como empreendedor pioneiro na fabricação de periódicos e livros, uma audaciosa iniciativa num país que ainda hoje convive com taxas ínfimas de leitura.

Em 1969, quando dos 150 anos da morte de Silva Serva, o bibliógrafo Renato Berbert de Castro organizou exposição das obras e lançou a primeira parte de seu levantamento sobre as Servinas, neologismo que ele criou para identificar as obras impressas pelas tipografias da família Silva Serva entre 1811 e 1846. A segunda parte, prossegue inédita. Em 2008, a Editora da Universidade de São Paulo (EDUSP) aceitou a sugestão para publicar nova edição, agora completa, da obra de Berbert de Castro com o catálogo dos produtos editoriais da Typographia Silva Serva e suas decorrentes. A família, todavia, estabeleceu impasse e não autorizou a impressão.

Informo, neste final, que, desde o primeiro semestre de 2018, venho mantendo contatos com pessoas e instituições baianas e de outros estados com o propósito de amealhar apoio para a realização de evento itinerante – Salvador, Rio de Janeiro e São Paulo – em agosto de 2019 a fim de rememorar a inestimável contribuição do português Manoel Antonio da Silva Serva à indústria e à cultura brasileiras. A minuta do projeto foi repassada para todos e me darei muito satisfeito se conseguir, pelo menos, trazer um dos convidados internacionais, quer seja o professor português Manoel Cadafaz de Matos, diretor do Centro de Estudos da História do Livro e da Edição (CEHLE), e/ou o também professor português Arthur Anselmo, autor de vários estudos sobre história da imprensa, e/ou o professor inglês Laurence Hallewell, autor do clássico O livro no Brasil (2.ed. revista e ampliada. São Paulo: EDUSP, 2005).

A luta continua. Vamos em frente!

* Jornalista, produtor editorial e professor universitário. É Doutor em História Econômica pela FFLCH/USP. Integra a diretoria da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).

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