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Quando a cor se fez consciente na antiga Câmara dos Deputados da Bahia

Livro de 1960 resgata primeiro caso de racismo registrado em ata, na Velha República

No dia 20 de novembro é comemorado em 1004 cidades brasileiras o Dia da Consciência Negra, embora o feriado não seja unanimidade entre os estados brasileiros, como não é na Bahia. Para algumas pessoas, o feriado é mais um no calendário anual brasileiro lotado de datas comemorativas. Para outras, é dia para celebrar o orgulho negro e combater o racismo presente em diversos espaços de sociabilidade. É dia de reivindicar, no âmbito das discussões e decisões políticas, a abertura do espaço tradicionalmente negado ao povo preto, seja através de manifestações explícitas ou veladas, como no primeiro caso registrado de racismo na Câmara dos Deputados da Bahia. O momento histórico marca o dia em que a cor se fez consciente, através do discurso de um deputado que sentira em sua própria carne o preconceito racial.

Deputado Alfredo Rocha - Foto: Reprodução
Deputado Alfredo Rocha – Foto: Reprodução

O fato aconteceu em 1918, no último ano da Primeira Guerra Mundial, como registra o livro do jurista e professor de Direito Nelson de Souza Sampaio, “O Diálogo Democrático na Bahia”*, publicado em 1960. De acordo com a pesquisa realizada pelo cientista político, às vésperas do 4 de julho, foi sugerido ao deputado mestiço Alfredo Rocha que apresentasse uma moção pela Independência dos Estados Unidos. “O presidente da Assembleia, apesar de não ser um padrão ariano, ponderou, à socapa, que a homenagem não deveria partir de um homem de cor”, diz trecho do livro. O deputado Alfredo Rocha, sabendo da restrição, desistiu da homenagem e esperou o momento certo para responder à altura.

A oportunidade veio, então, no ‘14 de julho’, quando o comemorada a tomada da Bastilha, evento central da Revolução Francesa. O deputado falou e imprimiu em separata um discurso em que enaltece os ideais de liberdade e igualdade daquele período histórico, mostrando a insignificância das discriminações raciais, ao lembrar que “na raça dos animais inferiores eles não têm preocupações de suas raças”. Alfredo Rocha recordou o episódio em que se julgou vítima de preconceito racial, em uma fala que demonstra pioneirismo no combate ao racismo dentro de uma das mais relevantes instituições do Estado.

Hoje, certamente, as proporções do episódio seriam outras haja vista os inúmeros casos de processos judiciais movidos contra manifestações racistas. Com a redemocratização do Brasil e a promulgação da Constituição de 1988, vários segmentos da sociedade, inclusive os movimentos sociais, militam no enfrentamento ao racismo, as violações dos direitos da população negra e lutam por mais e melhores oportunidades de ascensão econômica e social para os afro-brasileiros.

A própria Comissão Externa de Combate ao Racismo aprovou, na semana passada, relatório final que propõe o aumento, no Código Penal, da pena para o crime de injúria racial de 1 a 3 anos para 2 a 5 anos de reclusão. Essa pena também seria aplicada quando a injúria atingir a etnia, a religião, origem, idade da vítima ou deficiência física. Assim, a mudança na legislação pode dar um impulso no combate ao racismo no Brasil.

Clique aqui e leia na íntegra o discurso do deputado Alfredo Rocha, que foi até 1960 a “mais vívida condenação ao preconceito racial já pronunciada da tribuna da Câmara dos Deputados da Bahia”.

*Sampaio, Nelson de Souza. O diálogo democrático na Bahia. Revista Brasileira de Estudo Políticos n.8. Faculdade de Direito da Universidade de Minas Gerais, Ed. Livraria Revista Forense, 1960.

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