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Stuart Angel pode ter sido enterrado em base aérea, após tortura no Santos Dumont

Em depoimento à Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio), o capitão Lúcio Barroso (80), ex- integrante do Centro de Informações de Segurança da Aeronáutica (Cisa), revelou que o deputado federal cassado Rubens Paiva e o dirigente do MR-8 Stuart Edgard Angel Jones foram torturados pelo sargento da Aeronáutica Abílio Correa de Souza – codinome Pascoal -, que já morreu. Segundo um relatório apresentado nesta segunda-feira (9) pela CNV (Comissão Nacional da Verdade), o corpo de Stuart Angel pode ter sido enterrado na Base Aérea de Santa Cruz. Ele era militante do MR-8 (Movimento Revolucionário 8 de Outubro) e foi preso, torturado e morto em maio de 1971, por agentes do Cisa, que buscavam informações sobre Carlos Lamarca.

Localizadas pela CEV-Rio, duas imagens datadas de 18 de outubro de 1971 mostram uma ossada que pode ser do militante do MR-8 Stuart Angel/ Foto: Divulgação
Localizadas pela CEV-Rio, duas imagens datadas de 18 de outubro de 1971 mostram uma ossada que pode ser do militante do MR-8 Stuart Angel/ Foto: Divulgação

O ex-integrante do Cisa contou que os militantes eram levados para prisões na 3ª Zona Aérea no Aeroporto Santos Dumont — e não para a Base Aérea do Galeão, como sempre se cogitou. Além disso, ele revelou que a captura do militante do MR-8 não teria sido iniciativa do comando do Cisa, mas resultado de operação conjunta envolvendo outros órgãos da repressão. “O comando não se metia nestas coisas. Isto se dava entre os que trabalhavam ali, na informação. Quem buscou ele foi o Abílio”, afirmou Barroso, sobre a prisão do deputado. Ao falar do sequestro de Stuart, ele disse crer que “pode ter sido uma operação conjunta de várias forças”.

Investigando o caso há um ano, a jornalista e assessora da CEV-Rio Denise Assis encontrou, no arquivo do Instituto de Criminalística Carlos Éboli, um envelope com fotos de uma ossada descoberta na cabeceira do Aeroporto Santos Dumont em 18 de outubro de 1971. A prisão de Stuart ocorreu em 14 de maio do mesmo ano. A CEV-Rio acredita que as imagens possam ser dos restos mortais do líder do MR-8, mas aguarda o ICCE localizar o laudo feito após a retirada da ossada do aeroporto. Além das fotos, o envelope continha um telex assinado pelo perito de local da Polícia Civil Jacques Wygoda.

Segundo a coordenadora da pesquisa do caso e membro da CEV-Rio, Nadine Borges, Wygoda participou de outras perícias de local relativas a supostos suicídios ocorridos no DOI-Codi. Até o momento, as informações existentes sobre o paradeiro de Stuart Angel baseavam-se na carta de denúncia feita pelo preso político Alex Polari de Alverga para a estilista Zuzu Angel, mãe do estudante. Ele contou ter presenciado a prisão e a tortura de Stuart no Grajaú, mas localizava a prisão de ambos na Base do Galeão.

Tortura

Conforme Alex, Stuart foi torturado por cerca de dois dias. Os militares teriam amarrado sua cabeça a um cano de descarga de um jipe e depois ele teria sido arrastado no pátio da base. Mais tarde, Alex e Maria Cristina Ferreira, também presa política, dizem ter ouvido gemidos de Stuart ainda com vida na madrugada. De manhã, o corpo inerte foi retirado da cela. Ele e Manoel Ferreira, outro preso político, apontam como torturadores do local, além do sargento Abílio, o brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, comandante da 3ª Zona Aérea , o brigadeiro Carlos Affonso Dellamora, chefe do Cisa, o coronel Ferdinando Muniz de Farias e o capitão Lúcio Barroso, codinome “Doutor Celso”, único que ainda está vivo.

Foto encontranda no conjunto de documentos referentes ao encontro de ossada na cabeceira da pista do Aeroporto Santos Dumont. Local seria usado para banho de mar de prisioneiros/ Foto: Arquivo Instituto de Criminalística Carlos Éboli
Foto encontranda no conjunto de documentos referentes ao encontro de ossada na cabeceira da pista do Aeroporto Santos Dumont. Local seria usado para banho de mar de prisioneiros/ Foto: Arquivo Instituto de Criminalística Carlos Éboli

Tanto a descoberta das fotos da ossada quanto o depoimento do capitão Lúcio Barroso fizeram a Comissão da Verdade do Rio (CEV-Rio) voltar suas investigações para o Aeroporto Santos Dumont. No arquivo do Dops do Rio, foi localizado ainda um memorando do Cisa encaminhado pelo brigadeiro João Paulo Moreira Burnier e pelo tenente-coronel Ramiro de Oliveira Gama, chefe da Divisão de Informações de Segurança, à Secretaria de Segurança Pública da Guanabara.

No documento, o capitão Lucio Barroso assina uma sindicância sobre a situação de quatro fuscas de presos políticos da organização MR-8, capturados em 7 de maio de 1971 — sete dias antes do sequestro de Stuart Angel, dirigente da organização. Os carros foram vistoriados no pátio do 3º QG, que fica na área militar do Santos Dumont. Além disso, Lucio Barroso assina o recibo de reboque dos carros junto à empresa Rio Reboques Ltda, em 2 de junho. Os carros eram usados por Zaqueu José Bento, Manoel Ferreira, José Roberto Gonçalves de Rezende e Amaro de Souza Braga. Todos do MR8, com exceção de Rezende, que era da Vanguarda Popular Revolucionária (VPR).

No depoimento à CEV-Rio, Barroso negou a existência de tortura e disse que levava os presos para tomar banho de mar junto às pedras na cabeceira da pista. Mesmo local onde a ossada foi encontrada meses depois. Embora tenha confessado saber sobre o funcionamento do Cisa e as prisões de Stuart Angel e Rubens Paiva, Lucio Barroso negou envolvimento nos assassinatos. Oficial graduado no exterior — ele fez o curso de Inteligência Militar na Escola das Américas no Panamá, mas foi afastado de suas funções depois do desaparecimento de Stuart Angel.  Além de Barroso, devido às denúncias de Zuzu Angel, toda a cúpula da Aeronáutica foi afastada no início de 1972, inclusive o ministro da época, Marcio de Sousa e Mello.

Investigação

Embora não haja uma versão oficial, o possível local do enterro foi apontado no depoimento do capitão reformado da Aeronáutica Álvaro Moreira de Oliveira Filho, que ouviu a história do colega José do Nascimento Cabral, já morto. Cabral era controlador de voo e servia em Santa Cruz. Segundo Moreira, Cabral relatou ter visto da Torre de Controle uma movimentação noturna incomum, com a interdição da pista de pouso a pedido do brigadeiro João Paulo Moreira Burnier, comandante da base na época, e um corpo sendo enterrado na cabeceira. Os militares que serviam no local disseram que se tratava de Stuart Angel.

De acordo com o secretário executivo da CNV, André Sabóia, a comissão pretende fazer investigações in loco, mas precisa da colaboração da Aeronáutica para encontrar o corpo. A CNV vai fazer um pedido formal de informações técnicas sobre o caso. O coordenador da comissão, Pedro Dallari lembra que a versão oficial diz que Stuart é considerado desaparecido, mas dois documentos das Forças Armadas confirmam a morte do estudante. “Temos comprovação de que Stuart foi morto. Em um documento de 14 de setembro de 1971 e outro de 1975 ele é dado como morto. Documentos das Forças Armadas dão conta de que a morte ocorreu na Base Aérea do Galeão. As informações anteriores falavam que o corpo teria sido jogado no mar ou enterrado em um cemitério clandestino, agora temos essa informação de Santa Cruz. Nós vemos que o padrão de ocultação de cadáver se mantém, como no caso de Rubens Paiva, que teria sido levado para o Alto da Boa Vista. Os corpos são levados para locais ermos”.

Emocionada na audiência, a jornalista Hildegard Angel, irmã de Stuart, considerou a informação um alento, depois de tantos anos de negação da verdade. “Enfim tenho uma informação que me parece objetiva a respeito do paradeiro dos restos mortais do meu irmão. E espero que o ministro da Defesa, embaixador Celso Amorim, e o comandante da Aeronáutica tenham o mesmo espírito colaborativo com o país, porque um país sem história não é um país digno, não é uma pátria. A dignidade só vem através da verdade. Temos que dar aos nossos heróis, aos nossos mártires, a honra da sua verdadeira história”.

*Informações do Jornal O Dia, R7 e O Globo

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