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Fé e devoção marcam a festa sincretista à Yemanjá no Rio Vermelho

Não é dia santificado, nem é dia de feriado, mas é como se fosse. “Dia 2 de fevereiro, dia de festa no mar”, segundo a música do compositor baiano Dorival Caymmi. É o dia em que todos vão deixar presentes nos balaios organizados pelos pescadores do bairro do Rio Vermelho junto com muitas mães de santo de terreiros de Salvador, ao lado da Casa do Peso. Na frente da casa, uma escultura de sereia representando a Mãe d´Água baiana, Yemanjá. Nesta segunda-feira (2), não será diferente. Desde cedo se formam filas para entregar presentes, flores, dinheiro e cartinhas com pedidos, para serem levados à tarde nos balaios que serão jogados em alto mar, na única grande festa religiosa baiana que não tem origem no catolicismo, mas no candomblé, ainda que na mesma data se celebre Nossa Senhora das Candeias.

As homenagens a Iemanjá atraem uma multidão formada por baianos de diferentes credos, além de turistas brasileiros e estrangeiros, que acompanham a cerimônia que foi organizada pela primeira vez sob a iniciativa da colônia de pesca (corporação de pescadores) do bairro Rio Vermelho. A comunidade de pescadores havia tomado a decisão através das recomendações de um líder espiritual, depois de uma pesca catastrófica durante o ano anterior, tendo conduzido a perdas econômicas importantes. Em 1923, um grupo de 25 pescadores organizou uma grande cerimônia e levou no barco um presente misterioso, escondido em uma caixa de sapatos. Segundo a lenda popular, eles ofereceram para as águas do oceano. E todos os anos os pescadores pedem a Iemanjá que lhes dê fartura de peixes e um mar tranquilo.

Foto: Raul Spinassé/Ag.A Tarde
Foto: Raul Spinassé/Ag.A Tarde

No início, a celebração da festa dedicada a Iemanjá era feita em conjunto com a Igreja Católica, numa demonstração do sincretismo religioso da Bahia. Na década de 1960, um padre teria ofendido os pescadores, chamando-os de ignorantes por cultuarem uma sereia. O fato provocou um rompimento com a igreja e a partir daí os pescadores passaram a realizar a festa apenas em homenagem a Iemanjá. A festa durava quinze dias, durante os quais não faltavam batuques e comidas típicas baianas, com azeite de dendê. Hoje, a festa do Rio Vermelho dura só o dia 2. Às quatro da tarde é que saem os barcos que levam os balaios cheios de oferendas a serem lançados em alto mar.

Conta a tradição…

… dos povos iorubás (atual Nigéria) que Iemanjá era a filha de Olokum, deus do mar. Em Ifé, tornou-se a esposa de Olofin-Odudua, com o qual teve dez filhos, todos orixás. De tanto amamentar seus filhos, os seios de Iemanjá tornaram-se imensos. Cansada da sua estadia em Ifé, Iemanjá fugiu na direção do “entardecer-da-terra”, como os iorubas designam o Oeste, chegando a Abeokutá. Iemanjá continuava muito bonita. Okerê propôs-lhe casamento. Ela aceitou com a condição que ele jamais ridicularizasse a imensidão dos seus seios. Um dia, Okerê voltou para casa bêbado. Tropeçou em Iemanjá, que lhe chamou de bêbado imprestável. Okerê então gritou: “Você, com esses peitos compridos e balançantes!” Ofendida, Iemanjá fugiu.

Okerê colocou seus guerreiros em perseguição e Iemanjá, vendo-se cercada, lembrou que tinha recebido de Olokum uma garrafa, com a recomendação que só abrisse em caso de necessidade. Iemanjá tropeçou e esta se quebrou, nascendo um rio de águas tumultuadas, que levaram Iemanjá em direção ao oceano, residência de Olokum. Okerê tentou impedir a fuga de sua mulher e se transformou numa colina. Iemanjá, vendo bloqueado seu caminho, chamou Xangô, o mais poderoso dos seus filhos, que lançou um raio sobre a colina Okerê, que se abriu em duas, dando passagem para Iemanjá, que foi para o mar, ao encontro de Olokum.

Iemanjá usa roupas cobertas de pérola, tem filhos no mundo inteiro e está em todo lugar onde chega o mar. Seus filhos fazem oferendas para acalmá-la e agradá-la. Iemanjá, Odô Ijá (rainha das águas), nunca mais voltou para a terra. Ainda existe, na Nigéria, uma colina dividida em duas, de nome Okerê, que dá passagem ao rio Ogun, que corre para o oceano.

*Com informações de Antonietta de Aguiar Nunes (FACED/UFBA), Arquivo Público do Estado da Bahia e do blog Reverso.

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