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Salvador, 465 anos, ó quão dessemelhante!

“Triste Bahia! Ó quão dessemelhante
Estás e estou do nosso antigo estado!
Pobre te vejo a ti, tu a mi empenhado,
Rica te vi eu já, tu a mi abundante…”  
[Gregório de Mattos]
 

São Salvador da Bahia de Todos os Santos, cidade de tantos epítetos, comemora oficialmente 465 anos neste 29 de março. A celebração do aniversário da capital baiana inaugurou o ‘Festival da Cidade’, oito dias de folia com atrações tipicamente carnavalescas, uma marca cultural da terra. A primeira capital do Brasil – uma das mais antigas das Américas -, se notabilizou por um expressivo conjunto de manifestações culturais, desde a sua gastronomia, passando pela música, arquitetura, pintura, cinema, literatura, artes cenográficas, entre outros elementos responsáveis por sua singularidade. Salvador guarda no seu seio os traços fortes da tradição, mas abre-se para o novo. Isto contribui para o desenvolvimento de problemas de várias ordens, uma vez que são muitos os atores sociais, públicos e privados, que entraram neste jogo e vão continuar nele.

A Praça da Sé e seu entorno, vistos a partir do último andar da sede da ABI/ Foto: Joseanne Guedes/ABI-Bahia

A personagem mais crítica da cidade através dos tempos, dos seus costumes, dos seus valores morais, do exercício do poder pelos políticos da época, foi Gregório de Mattos.  A verve de Gregório de Mattos nos seus poemas do início da colônia já revelavam um cenário de uma cidade povoada de problemas sociais, a ambição desmedida dos políticos e uma extraordinária vocação para alimentar e endossar  prestígio social  nas classes dominantes e a acumulação de bens, via uma burguesia sem pudores. Problemas e carências atravessam o tempo secular, chegando até os dias de hoje. Passado e presente, porém, parecem ser as chaves da predição do futuro.

A data ‘29 de março’ foi definida pelo Instituto Geográfico e Histórico da Bahia (IGHB), após a prefeitura solicitar, em 1945, um estudo para definir o marco. Já que nunca foi encontrado um documento que revelasse a data de fundação da cidade, após pesquisa apurada, historiadores membros do instituto fixaram a data simbólica. No quinto mandato à frente da entidade, a historiadora Consuelo Pondé de Sena presenciou capítulos importantes da história da cidade, com o olhar atento e sempre pronta para denunciar e despertar o interesse da população a conhecer sua história e preservar seu patrimônio.

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“Não há amor pela cidade. Há um desprezo causado pela falta de educação, por isso precisamos educar para a cidadania. Meu compromisso não é apenas como presidente do IGHB, mas também como cidadã. Ainda há muito a ser feito por Salvador, mas as últimas mudanças que tenho visto são significativas. Amo a minha cidade. Se critico, é para que ela fique melhor. Tenho esperança de que Salvador volte a ocupar um espaço digno entre as outras capitais brasileiras. Quando não temos esperança, nem adianta viver”, afirma Consuelo.

Não tão entusiasta e esperançoso em relação ao futuro da cidade, o antropólogo Roberto Albergaria toma como referência a obra de Gregório de Mattos. “Ele continua atual porque, numa visão antropológica, a história não mudou muito”. Para Albergaria, grande parte das críticas do poeta ainda é pertinente. “Ao invés de comemorarmos, deveríamos pensar pequenas ações de melhorias. Não sou pessimista, mas realista. Não dá para imaginar um futuro maravilhoso. Que se comemore, mas sem esperança demais e sem saudosismo demais”.

Vista do Elevador para a Cidade Baixa e seus pontos turísticos/ Foto: Reprodução

Filho de nobre português, senhor de engenho, o poeta soteropolitano Gregório de Matos e Guerra compôs versos satíricos contra as autoridades e os costumes de sua época. A obra atribuída a Gregório de Matos contém mais de 700 textos de caráter crítico e irreverente sobre os costumes da Bahia colonial. Gregório de Mattos, já no século XVII, investia contra pobres e ricos, contra autoridades civis e eclesiásticas. Basta ler alguns de seus poemas, para constatar que ninguém escapava das críticas do poeta apelidado de “Boca do Inferno”.

“Gregório criticava o espírito do mundo ocidental de acumulação de bens, de perseguir a fama. Dizia que a cidade foi transformada em ‘máquina mercante que não tem fim’. Até hoje o tripé do espírito sobre o qual se estrutura a cidade é dinheiro-poder-prestígio, que na época dele era a fidalguia e hoje é a chamada ‘ostentação’. Os nossos representantes políticos são movidos pela visão patrimonialista, que transforma o público em privado. Então, a base continua a mesma. Se a droga de exportação de antes era a cana, hoje é o axé music, o Carnaval. Continuamos com a monocultura, só que a máquina mercante de hoje exporta drogas audiovisuais”, provoca Albergaria.

Também para o historiador Fernando da Rocha Peres, autor de livros como “Gregório de Mattos e Guerra: Uma Re-visão Biográfica” e “Um Códice Setecentista Inédito De Gregório De Mattos”, a cidade de que falava o poeta gentio é bastante semelhante à atual. “Naquele momento, já havia o Carnaval, ou ‘alarde’, como eram chamados os festejos. Se estivesse vivo, creio que sua pena e seu papel estariam preparados para criticar a corrupção, a sujeira e a falta de educação que atingem a cidade, de um modo geral. É engraçado que se comemora o aniversário de ‘Salvadolores’, como eu chamo essa cidade dolorosa, mas não se celebra a morte de Gregório. Temos motivos para shows, mas falta saúde, educação e segurança”.

O historiador lembra que Gregório não poupava nem o governador. Por seu tom crítico, ele era mal visto por produtores rurais e autoridades. “Após criticar o governador Antonio Luiz Gonçalves, a quem ele chamava de ‘fanchono beato’, ele foi despachado para a Angola, onde ficou pouco mais de um ano. No seu retorno ao Brasil, foi impedido de pisar na Bahia, tendo morrido em Recife”. Gregório não publicou seus poemas em vida, mas sua sátira política tornou-se uma das vertentes mais conhecidas de sua obra poética:

“Que falta nesta cidade? Verdade.
Que mais por sua desonra? Honra.
Falta mais que se lhe ponha? Vergonha.
O demo a viver se exponha
Por mais que a fama a exalta
Numa cidade onde falta
Verdade, honra e vergonha.”
[Gregório de Mattos]
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Governo recua e retira ponto sobre data centers do texto do Marco Civil

A Câmara de Deputados vai começar a discutir hoje (19), em sessão marcada para as 14 horas, o projeto do marco civil da internet (PL 2126/11) com pelo menos dois pontos de divergência: a neutralidade da rede e a regra que obriga empresas estrangeiras a instalar data centers para armazenar dados no Brasil. Além da proposta do governo, PMDB e DEM apresentaram textos alternativos para estabelecer princípios e regras para o setor.

Foto: André-Oliveira/Agência Câmara

Temendo sofrer uma derrota na Câmara, o governo aceitou definitivamente na noite de ontem (18) retirar do texto do Marco Civil da Internet a obrigatoriedade dos chamados data centers, centros de dados que armazenam as informações dos usuários, de serem instalados no Brasil. Em contrapartida, o governo reforçará a determinação de que as empresas de internet que atuarem no país respondam pela legislação brasileira. Na Câmara desde 2011, a proposta voltou a ter destaque em 2013 depois das denúncias de espionagem protagonizadas pela Agência de Segurança Nacional dos Estados Unidos (NSA).

“Esse ponto foi incluído após o escândalo de espionagem; não constava do projeto original, e alguns partidos da base sugerem que se busque uma redação alternativa”, disse o deputado e relator do projeto Alessandro Molon (PT-RJ), que afirmou que a redação será reforçada “para que não haja nenhuma dúvida de que a soberania nacional está garantida por aquilo que se faz no Brasil”.

A obrigatoriedade era questionada por partidos da oposição e algumas siglas da base aliada que argumentavam que as companhias teriam de replicar no Brasil uma estrutura semelhante às que elas mantêm em outros países, como os Estados Unidos, o que poderia gerar altos custos para os usuários. De acordo com Molon, a alteração no texto será feita por meio de uma emenda que será apresentada durante a discussão em plenário.

Apesar de o governo reiterar a vontade de votar o projeto hoje (19), ainda há divergências em torno da matéria que podem adiá-la para a próxima semana. Os representantes do governo e os deputados da base aliada se reunirão com o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), para discutir como será a votação. A intenção é convencê-lo a colocar a medida em votação o mais rápido possível.

Neutralidade da rede

O ponto mais polêmico da proposta, no entanto, continua sendo a chamada neutralidade da rede, princípio que impede empresas de telefonia de filtrar os dados que trafegam pela rede e definir que sites ou serviços terão conexão mais rápida ou mais lenta, será mantida pelo governo. Ou seja, o item proíbe a venda de pacotes diferenciados por serviços pelos provedores de acesso ou o bloqueio de alguns sites ou aplicativos pelas empresas que gerenciam conteúdo. Todos os usuários deverão ter tratamento igual pelas empresas. Trata-se de uma medida popular para os usuários, mas contestada pelas operadoras.

A regulamentação da questão por decreto presidencial, contestada por alguns partidos por apresentar algumas exceções, também será mantida. “A neutralidade tem que ter exceções e são aquelas que estão previstas na lei. Requisitos técnicos e indispensáveis à melhor prestação do serviço. Ou seja, todos os que conhecem internet entendem que no tráfego de dados faz sentido que os dados relativos à transmissões ao vivo na internet devem ter prioridade em relação a emails, por exemplo”, disse Molon. Para o deputado, se o governo não fizer a regulamentação, o setor de telecomunicações é quem irá estabelecer as exceções.

*Informações de Mariana Haubert para a Folha de S. Paulo e Agência Câmara Notícias

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Após reunião com entidades, Ministério da Justiça vai lançar manual para jornalistas em manifestações

Nesta terça-feira (18), o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e entidades ligadas à imprensa se reuniram para discutir medidas de proteção para os profissionais da comunicação. O encontro é resultado da pressão exercida por representantes de entidades jornalísticas, que demonstraram preocupação com o aumento de agressões contra a classe e cobraram providências após o caso do cinegrafista Santiago Andrade, da TV Bandeirantes. Após a reunião, o ministro defendeu a possibilidade de federalização dos crimes contra jornalistas.

Foto: Correio Braziliense

Foi o primeiro encontro do grupo de trabalho formulado no último dia 11 de fevereiro como consequência da morte do cinegrafista Santiago Andrade, morto enquanto cobria uma manifestação no centro do Rio de Janeiro. Na ocasião, representantes das entidades jornalísticas brasileiras entregaram um relatório detalhando os casos de agressões a jornalistas durante os protestos. O objetivo do grupo seria estabelecer políticas de Estado na área de segurança pública, para a proteção de profissionais na área de comunicação em geral.

Além do ministro da Justiça, participaram do encontro o ministro-chefe da Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República, Thomas Traumann, e representantes da Associação Brasileira de Rádio e TV (Abert) e da Federação Nacional dos Jornalistas (Fenaj). De acordo com o ministro, a Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) vai fazer um estudo sobre os equipamentos necessários para a proteção dos jornalistas, que receberão instruções sobre a maneira mais segura de fazer a cobertura de manifestações de rua no Brasil.

Cardozo declarou que é importante que todas as atividades profissionais envolvidas nas manifestações, como jornalistas e policiais, façam um treinamento específico para saber como atuar nesses eventos. Para tanto, revelou que será lançado um manual para padronizar a atuação conjunta desses profissionais.

Federalização 

Fotógrafos realizam ato em protesto contra agressões a profissionais da imprensa durante manifestações e em defesa da liberdade de imprensa na região central de São Paulo/Foto: Reprodução

Após reunião com entidades ligadas à imprensa, o ministro defendeu a possibilidade de federalizar investigações de crimes contra repórteres, fotógrafos e cinegrafistas, entre outros profissionais de comunicação. A ideia deverá ser discutida com o diretor da Polícia Federal, Leandro Daiello, e com o procurador-geral da República, Rodrigo Janot, e representantes da Ordem dos Advogados do Brasil e da Secretaria Nacional de Direitos Humanos, entre outros interlocutores do governo interessados na questão. Ainda não há consenso se a legislação em vigor permite a federalização das investigações de crimes contra jornalistas ou se seria necessário uma modificação na lei sobre o tema.

Será definido nos próximos dias o texto final do manual de procedimentos das polícias militares em grandes manifestações, que deverá conter um capítulo especial sobre a relação dos policiais com jornalistas. Deverá ser proibido que a polícia apreenda câmeras ou celulares que registrem imagens das manifestações. Também deverá ser criado um Observatório, uma comissão especial encarregada de acompanhar de perto agressões contra jornalistas em qualquer parte do país. Uma das ideias é que o Observatório tenha a atribuição de propor a federalização das investigações de crimes contra jornalistas.

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Para o presidente da Associação Brasileira de Emissoras de Rádio e Televisão (Abert), Daniel Slavieiro, a federalização seria uma medida muito importante para diminuir a impunidade e, com isso, reduzir a violência contra profissionais da imprensa. Segundo ele, hoje muitos crimes contra jornalistas não são devidamente investigados porque a apuração dos casos quase sempre fica a cargos das polícias que são alvos das investigações. A partir da federalização, a Polícia Federal poderia assumir o controle das investigações que, hoje, ficam a cargo das polícias civis. “Com o aparato da inteligência da Polícia Federal você tem uma força maior para identificar agressores”, disse Slavieiro.

Ação do Exército e mudanças na legislação 

Na busca pelo controle das manifestações, a presidente Dilma Roussef disse na manhã de hoje (19) que, quando necessário, o governo usará as Forças Armadas para coibir manifestações anti-Copa. A presidente também defendeu mudanças na legislação para conter atos de violência durante as manifestações. O Planalto teme que protestos contra a realização da Copa voltem a se espalhar pelo Brasil durante o evento. “É preciso reformar a lei e aplicar a Constituição. A Constituição garante a liberdade de expressão, a liberdade de manifestação do pensamento, mas ela veda o anonimato. Então, nós estamos trabalhando numa legislação para coibir toda forma de violência nas manifestações”, afirmou Dilma.

O Congresso já discute um projeto de lei que pode enquadrar manifestantes e movimentos sociais como terroristas. O governo, porém, teme que a proposta abra brecha para a criminalização de movimento sociais. O texto deverá ser encaminhado ao Congresso Nacional em regime de urgência para que seja aprovado e possa entrar em vigor “o quanto antes”. Nesta terça-feira (18), o Ministério da Justiça confirmou que irá propor um endurecimento das penas aplicadas aos condenados por crimes previstos no Código Penal que forem cometidos durante protestos, como os que, desde junho de 2013, tomaram as ruas das principais cidades do país.

Informações de O Estado de S. Paulo, Folha de S. Paulo, Estado de Minas e Associação Brasileira de Imprensa (ABI)

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Corrupção subtrai até 2,3% do PIB brasileiro

As manifestações de junho do ano passado continuam rendendo frutos, e a chamada lei anticorrupção, que punirá empresas envolvidas em atos ilícitos contra o poder público, é um deles. A nova legislação, sancionada em agosto do ano passado, entra em vigor nesta quarta (29) e pretende ser mais uma ferramenta para estancar o dreno de recursos que a corrupção representa no Brasil. Um estudo da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), elaborado em 2012, projetava que entre 1,38% e 2,3% do Produto Interno Bruto (PIB) se perdiam entre ações corruptas no país. Levando em conta o último PIB consolidado disponível, do ano de 2012, que fechou em 4,4 trilhões de reais, isso equivale a, no mínimo, uma perda nominal entre 61,7 bilhões reais e 101,2 bilhões de reais.

Foto: Estadão

Não se sabe ao certo se esse número é próximo da realidade, até porque é difícil captar atos ilícitos que estão em andamento neste exato momento, nos subterrâneos do poder e das corporações. Mas, independentemente dos valores envolvidos, a corrupção é uma praga que revolta os brasileiros, que pagam impostos compulsoriamente, e não recebem seus benefícios de volta. O quadro atual coloca o país na posição 72, entre 177 países no mundo, no Índice de Percepção da Corrupção (Corruption Perception Index), de 2013, elaborado pelo grupo Transparency International. A lei, inaugurada hoje, vai punir empresas envolvidas em atos que venham a lesar o erário do Estado, em todas as esferas, como suborno de funcionários do poder público.

Até então, as empresas podiam alegar, caso fossem flagradas em alguma prática ilícita, que a infração havia sido motivada por uma atitude isolada de um funcionário ou servidor público. Acabavam sendo punidos com maior frequência apenas os agentes públicos flagrados, e era muito difícil comprovar a culpa da companhia ou do empregado.

Inovação

A partir de agora, inspirada nas regras já vigentes em países como os Estados Unidos (com o Foreign Corruption Practice Act) e a Inglaterra (Bribery Act), a nova legislação estabelece multas de que variam de 0,1% a 20% do faturamento bruto da empresa processada, nunca abaixo da vantagem obtida, caso esta seja auferida. Se não for possível levantar essa cifra, a previsão é de aplicação de multa variável entre 6.000 reais e 60 milhões de reais. E no limite, instaura a figura da “pena de morte” da pessoa jurídica, ou seja, estabelece a possibilidade de dissolver uma empresa envolvida em delitos.

Ou seja, com anos de atraso, o Brasil passa a punir também as empresas que corrompem, e não só o agente corrupto. “Esta lei vem fechar um quebra-cabeça fundamental”, afirma Pierpaolo Cruz Bottini, professor-doutor de direito penal da Universidade de São Paulo. “Até agora as punições estavam direcionadas à pessoa física. Processava-se o funcionário, o dirigente público e a empresa ficava impune. Agora, ela será punida de forma objetiva, não importa se sabia ou não das falcatruas em andamento. Se foi beneficiada, ela será multada”, explica Leo Bottini, da Amarribo, organização sem fins lucrativos de combate à corrupção.

Legislação vem como “pena de morte” a empresas que corrompem servidores públicos

Mais do que isso, passa a punir os agentes da cadeia de valor de uma companhia. Se algum fornecedor estiver envolvido em ações nebulosas, a sua contratante é alvo da lei. Assim, a atuação de consultorias, despachantes, ou empresas fictícias criadas com o único fim de obter vantagens financeiras torna-se evidência objetiva, passível de pena severa. Esse aspecto da nova lei é elogiado pelo promotor Marcelo Mendroni, do Grupo de Atuação Especial de Repressão à Formação de Cartel e à Lavagem de Dinheiro e de Recuperação de Ativos (Gedec), do Ministério Público de São Paulo. “A lei vem preencher uma lacuna importante. As empresas fictícias são o meio mais utilizado para a lavagem de dinheiro no Brasil”, diz o promotor, que cuida do caso de formação de cartel de empresas fornecedoras de material para o metrô de São Paulo, que inclui as multinacionais Siemens e Alstom.

 O cartel do metrô no Estado paulista foi denunciado, em delação premiada, pela própria Siemens no ano passado, revelando supostos subornos a agentes públicos, e também a atuação de empresas prestadoras de serviço que faziam a ponte entre a multinacional e funcionários públicos. Também em São Paulo, está em curso uma investigação, levantada pela Corregedoria Municipal, sobre a atuação de 30 construtoras suspeitas de terem pago 29 milhões de reais em propinas para auditores fiscais da Prefeitura de São Paulo, em troca de um desconto de 50% no valor total de um imposto municipal.

Para José Ricardo Roriz Coelho, diretor do Departamento de Competitividade e Tecnologia da Fiesp (Federação das Indústrias do Estado de São Paulo), a corrupção afeta negativamente a atividade econômica e a competitividade do país como um todo. “Ela aumenta o custo do investimento produtivo, prejudica a estabilidade do ambiente de negócios, inibe os investimentos externos, diminui a arrecadação e altera a composição dos gastos governamentais, além de distorcer a concorrência, e abalar a confiança no Estado”, afirma. O estudo da Fiesp aponta que, no mínimo, a corrupção equivale a 7,6% do investimento produtivo na economia, ou  a 22,6% do gasto público em educação nas três esferas.

Lei e empresas

A nova legislação já movimenta o mundo corporativo brasileiro, que vai procurar se adaptar às novas exigências. Para Pablo Cesário, gerente-executivo da Confederação Nacional da Indústria, as empresas, a partir de agora, devem adotar programas de combate à corrupção. Mas, Cesário chama a atenção para um fato importante para onde a legislação precisa avançar. “Compete ao Estado proteger empresas que denunciem atos de corrupção praticados por agentes públicos, prevenindo eventuais retaliações”, diz Cesário. Ou seja, as empresas devem ter espaço para denunciar um gestor público que venha a solicitar dinheiro em troca de alguma autorização ou licença que compete ao poder público liberar para a companhia.

Leia também: Aumenta a percepção sobre corrupção no Brasil

No Brasil, várias empresas que tentaram denunciar achaques de funcionários públicos, inclusive na mídia, passaram a ser “perseguidas” por fiscalizações exageradas. Além disso, a falta de punição frustrava empresários, que preferiam aceitar o pedido de suborno a atrasar projetos em andamento por falta de algum documento. Uma pesquisa sobre corrupção revela que só 50% das empresas no país acreditam que denunciar pedidos de propina de funcionários públicos surtem efetivamente efeito.

O promotor Marcelo Mendroni também sublinha a necessidade de fortalecer o próprio corpo da Justiça e o treinamento de seus funcionários lei para que ela possa ser aplicada. “As três engrenagens precisam funcionar juntas: legislação, estrutura e treinamento”, diz. Cabe também à sociedade o papel de cobrar a sua execuação, avalia o cientista político Wagner Pralon. “Muitas vezes a vontade popular coloca alguns itens, como este, na pauta, mas é preciso manter a antenas ligadas”, afirma. Em outras palavras, a nova lei anticorrupção é um passo muito importante, mas é só o começo de um caminho longo pela frente.

Informações de El País (Edição Brasil) e G1

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