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É proibido sonhar

Por Tamíris Batista*

Minha vó fazia bordado, queria que eu aprendesse também. Me deu linha, pano, mas não tinha jeito, a menina tagarela não acertava um ponto cruz. Já minha mãe sabe bordar, faz crochê, muitas vezes ele é nossa salvação na hora de pagar contas. Mas esse pano aí não foi feito por nenhuma delas. Peraí, deixa eu te explicar. Estava vindo do estágio quando passei pela loja de bicicleta, e logo me lembrei que dia das crianças estava chegando, como eu e as crianças de meu tempo éramos loucas para ter uma. Foi em meio a esses pensamentos que o vi sentado na porta, com uma sacola na mão. Imaginei que também estivesse como eu, pensando nas bicicletas que havia ali.

Panos produzidos pela mãe de Pablo, de 11 anos, complementam a renda de sua família – Foto: Tamíris Batista

Ele era até grandinho, quase do meu tamanho, (tudo bem, não sou muito alta) cabelo liso, um rostinho miúdo bem cativante, e uma voz suave. Pablo, 11 anos. Ele salvou meu dia. Descobri que não estava pelas bicicletas, embora não tivesse uma. Sua presença tinha um motivo maior, que nem chegava perto do que deveria ser o sonho de uma criança. Me disse que estava vendendo panos de prato feitos pela mãe. Enquanto a mãe fazia faxina numa casa próxima de onde estávamos, seu papel era contribuir para que algum dinheirinho a mais fosse conseguido. Perguntei se ele estudava, me disse que pela manhã. Matemática era sua disciplina favorita. Falei: “vish, vou te contar um segredo, não sei quase nada dessa matéria”. Consegui, então, um sorrisinho cúmplice. Quando eu e Pablo nos despedimos, recomendei que atravessasse a rua com cuidado quando fosse encontrar a mãe. Deu vontade de recomendar também que não desistisse dos estudos, que mesmo que viessem as lutas, que ele e sua mãe continuassem unidos nessa batalha. Mas não disse, apenas o abracei forte, porque muitas vezes um abraço é o maior incentivo, um sorriso, um aperto de mão. Eu prefiro acreditar que Pablo um dia vai crescer, não só em estatura, mas em gentileza, estabilidade financeira, que ele vai poder sonhar, ter uma bicicleta, ele vai continuar a ser bom menino, ah vai. Toda vez que eu olhar para esse pano rosa, lembrarei dos meninos do meu Brasil que não podem nem sequer sonhar com uma bicicleta, imagine comprar uma.

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*Estudante de Jornalismo da Uesb – Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. E-mail: [email protected]

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