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Flip celebra o multitalentoso Millôr Fernandes

A 12ª Festa Literária Internacional de Paraty (Flip) encerrada neste domingo (3) ocorreu do jeito que o homenageado desta edição foi durante toda a vida: com bastante humor, traço essencial de praticamente todas as atividades às quais se dedicou o jornalista, escritor, desenhista, dramaturgo e tradutor Millôr Fernandes, morto em março de 2012, aos 88 anos. A presença de humoristas foi uma das marcas da Flip 2014, que, com seu caráter eclético, erudito e popular, não seria a mesma sem Millôr e sua contribuição inestimável para a arte brasileira. De outro lado, sem se desligar da perspectiva crítica da obra de Millôr, o tom das principais mesas que abordaram a relação entre jornalismo e poder pode ser resumido pela célebre frase do cartunista: “A imprensa é oposição. O resto é armazém de secos e molhados”.

Millôr Fernandes foi um dos convidados da primeira edição da Flip, em 2003 - Foto: Ana Branco/Agência O Globo
Millôr Fernandes foi um dos convidados da primeira edição da Flip, em 2003 – Foto: Ana Branco/Agência O Globo

O genial guru do Méier; livre como um táxi; um nome a zerar; enfim, um escritor sem estilo — não satisfeito em atribuir-se verdadeiros slogans, Millôr ainda apoderou-se de mais um, proferido em tom de crítica pelo poeta Cláudio de Mello e Souza: “O inventor da liberdade de imprensa”. Se Millôr não foi literalmente o inventor da liberdade de imprensa, soube praticá-la nas condições mais adversas e, mais do que isso, foi um criador de espaços de liberdade na imprensa brasileira: o Pif-Paf, O Pasquim, suas páginas e os notáveis quadrados em jornais e revistas.

Segundo o curador da Flip, Paulo Werneck, o principal motivo da homenagem é que a diversidade de Millôr reúne em si todo o mundo do evento. Mauro Munhoz, diretor geral da Flip, analisa que a obra do escritor promove a integração entre as artes, premissa da festa literária. “Millôr foi um desbravador ao se dedicar ao cartum e à ilustração com o mesmo afinco que a tradução de Shakespeare ou Ibsen. Muito do que tomamos como natural, em termos de linguagem e abertura intelectual, na imprensa, no teatro, na tradução literária brasileira, se deve ao trabalho obstinado de Millôr Fernandes. Ia do aforismo ao haikai, da dramaturgia à fábula como quem vai à praia para jogar frescobol, esporte do qual foi o inventor, aliás”, ressalta o texto publicado na página da Flip.

Millormaníacos

Já na abertura do evento, no último dia 30, houve uma homenagem em dois tempos: no primeiro, o crítico de arte e professor da Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da USP, Agnaldo Farias, destacou o valor da obra de Millôr Fernandes para a arte brasileira. Em seguida, dois discípulos do “Guru do Méier”, Reinaldo e Hubert – que nos anos 1980 editaram uma cria do Pasquim, o Planeta Diário – conversam com o cartunista millormaníaco Jaguar.

Agnaldo Farias, falou sobre o Millôr artista plástico, menos conhecido que o Millôr pensador. Para ele, a obra do cartunista ainda é muito negligenciada. “A obra plástica do Millôr sofre o mesmo tipo de tratamento que as artes visuais sofrem no Brasil porque ainda são muito negligenciadas. O Brasil não faz por merecer os grandes artistas que tem. Eles [os artistas] não são vistos, não são lidos, não são escutados. Isso é feito de uma maneira muito casual, sem o cuidado, sem a atenção que eles merecem”.

Leia também: Jornal da ABI conquista Prêmio Líbero Badaró com a charge “Millôr e Deus”, do cartunista Quinho (que ilustra esta matéria)

Farias mostrou como Millôr foi, além de “um dos maiores pensadores que já tivemos”, também autor de um trabalho e artes plásticas, não apenas bem humorado, mas também crítico. “O que se sobressai é o filósofo, o homem que percebia a maleabilidade da palavra, trabalhava a ironia, as perversões sintáticas e o que isso podia provocar. Mas Millôr, como todo artista, é aquele que via o outro lado das coisas”, disse o crítico.

Logo depois das análises de Agnaldo Farias, Hubert e Reinaldo entrevistaram o cartunista e cofundador d’O Pasquim, Jaguar. Grande nome da área no Brasil, Jaguar trabalhou em diversos projetos com Millôr Fernandes, destacando O Pasquim como o mais feroz veículo de imprensa na crítica ao governo militar no país. Jaguar comentou sobre a criação o jornal: “Eu sabia que todo mundo iria xingar esse jornal, por isso se chamou O Pasquim”. Sobre a perseguição dos militares, Jaguar contou diversas passagens na tentativa de driblar a censura, uma delas foi o episódio bem divertido sobre o motivo de não terem prendido Millôr: “A repressão prendeu Ferreira Gullar, Paulo Francis, entre outros. Só não prendeu o Millôr porque o camburão estava cheio”, contou bem humorado.

*Com informações do El País (edição Brasil), Estadão e Livre Opinião.

 – Ilustração: O cartunista Quinho, do Estado de Minas, foi o vencedor da 10ª edição do Prêmio Líbero Badaró, na categoria Ilustração, com a charge “Millôr e Deus”, publicada no Jornal da ABI em homenagem ao desenhista, jornalista, dramaturgo e escritor Millôr Fernandes.

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