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Instituições criticam MP que desobriga empresas de publicar balanços em jornais

Após a publicação da Medida Provisória n° 892, entidades ligadas ao segmento jornalístico apontam enfraquecimento dos veículos de comunicação impressos, já que nova regra seria retaliação à cobertura do atual governo. “A liberdade de expressão do pensamento está sob ameaça”, avalia o presidente da ABI.

O presidente Jair Bolsonaro contrariou uma lei que ele mesmo sancionou em abril e assinou a Medida Provisória n° 892, que derruba a obrigatoriedade para empresas publicarem seus balanços em jornais. O texto publicado no Diário Oficial da União (DOU) na última terça-feira (6) estabelece que tais resultados financeiros sejam informados através dos sítios eletrônicos da Comissão de Valores Mobiliários (CVM), o da própria companhia e o da B3 (bolsa de valores), no caso das empresas de capital aberto. Oposição e governistas indicam que a MP é retaliação à imprensa pela cobertura da atual gestão. Instituições ligadas ao segmento jornalístico repudiam a medida e apontam enfraquecimento dos veículos de comunicação impressos.

De acordo com Lei nº 6.404, de 15 de dezembro de 1976, os balanços tinham que ser publicados nos veículos oficiais da União, Estado ou do Distrito Federal e em algum jornal de grande circulação, publicado na mesma localidade da sede da empresa. Tal veiculação era uma fonte de renda para os veículos de mídia impressa, que vendiam seus espaços de publicidade. Já a lei que Bolsonaro sancionou em 24 de abril autorizava as empresas a publicarem suas demonstrações financeiras de forma resumida em jornais de grande circulação a partir de 1º de janeiro de 2022. Até lá, seguiria valendo a regra da Lei das SA, de 1976.

Bolsonaro destacou, durante um congresso da Fenabrave (Federação Nacional da Distribuição de Veículos Automotores), em São Paulo, que a medida irá beneficiar os empresários ao propiciar a publicação a custo zero. (Assista aqui) “As grandes empresas gastavam com jornais em média R$ 900 mil por ano. Vão deixar de gastar isso aí”. Ele ironizou o que chamou de “imprensa de papel” e os efeitos da medida sobre o setor. “Eu tenho certeza que a imprensa vai apoiar essa medida. Obra de uma caneta BIC ou Compactor”, disse Bolsonaro, em meio aos aplausos dos empresários. Ele deixou o evento sob gritos de “mito” e sem atender os jornalistas.

No mesmo dia, o presidente voltou a abordar o assunto, em um evento em Itapira, interior de SP. Ao explicar os motivos para editar a medida, ele disse que durante as eleições presidenciais “quase toda mídia, o tempo todo”, ficou “esculachando a gente, fascista, homofóbico, racista, e seja lá o que for”. “No dia de ontem eu retribui parte daquilo que grande parte da mídia me atacou”.

Instituições reagem

Após a publicação da MP, a Associação Nacional de Jornais (ANJ) divulgou uma nota em que afirma ter recebido com “surpresa e estranhamento a edição da medida provisória 892”. De acordo com a entidade, “além de ir na contramão da transparência de informações exigida pela sociedade, a MP afronta parte da Lei 13.818, recém aprovada pela Câmara e pelo Senado e sancionada pelo próprio presidente da República em abril”, lembra. A entidade disse que está “avaliando a melhor forma de evitar que a MP 892 seja aprovada”.

O Conselho de Comunicação Social (CCS) do Congresso Nacional manifestou nesta quarta-feira (7) sua preocupação com a Medida Provisória 892. Em nota, o CCS também ressaltou que a Câmara e o Senado aprovaram recentemente a legislação (Lei 13.818) com a regra de transição. “A lei foi sancionada pelo presidente da República, que agora edita uma medida provisória na direção contrária daquilo que ele próprio e o Congresso deliberaram”, diz o comunicado.

Segundo o CCS, é “especialmente preocupante que o presidente reconheça que sua iniciativa se trata de represália à cobertura jornalística que seu governo vem recebendo por parte da imprensa”. Para o Conselho, “a liberdade de imprensa é essencial para a democracia e pretender atingi-la por intermédio de represália econômica e de modo abrupto representa um retrocesso que atinge o próprio direito dos cidadãos de serem livremente informados”.

O presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Walter Pinheiro, também afirmou que a edição da MP 892 causou surpresa e preocupação, já que Bolsonaro deixou claro que se trata de uma reação a supostos ataques por parte da imprensa. “Este tipo de retaliação não tem espaço numa sociedade que se quer democrática. Em tempos que muito se valoriza a transparência, desconhecer a ‘mídia de papel’ – como o presidente classifica os jornais – como o canal de comunicação de maior credibilidade junto ao povo, é caminhar na contramão das mudanças por ele mesmo propostas à Nação”, avaliou.

Para o dirigente, se o Congresso Nacional acatar a MP, a perda de receita para as pequenas e médias editoras será expressiva. “O que se juntando às atuais dificuldades do mercado virá a impor o fechamento de vários jornais, levando ao desemprego milhares de profissionais da comunicação. Em resumo: a liberdade de expressão do pensamento está sob ameaça”, conclui Pinheiro.

Congresso diverge

Na Câmara dos Deputados, o assunto foi abordado pelo presidente da Casa, Rodrigo Maia (DEM-RJ). De acordo com o jornal O Globo, o parlamentar defendeu nesta quarta-feira a construção de um acordo em torno de uma nova regra sobre a publicação de atos societários e balanços de sociedades anônimas. “Retirar essa receita dos jornais da noite para o dia não me parece a melhor decisão. Acho que a Câmara e o Senado poderão construir um acordo onde a gente olhe o futuro onde o papel jornal de fato não seja um instrumento relevante”, opinou.

Segundo ele, a medida poderá “inviabilizar milhares de jornais que funcionam todos os dias informando a sociedade brasileira com muita competência”, disse Maia ao veículo. “Não haverá no futuro papel jornal, essa é que é a verdade. Mas o papel jornal hoje ainda é um instrumento muito importante da divulgação de informação, da garantia da liberdade de imprensa, da liberdade de expressão, da garantia da nossa democracia”, concluiu.

Uma reportagem do Congresso Em Foco destaca a resistência à medida. “A meu ver, a justificativa do presidente anula ou invalida a medida provisória”, acredita a presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Simone Tebet (MDB-MS). Para ela, a justificativa de Bolsonaro é privada e não pública. “Não há uma prevalência pública. A finalidade, a princípio, foi pequena, privada”, disse. A senadora Kátia Abreu (PDT-GO) acredita que o Congresso não aprova a MP. “Se houver esse sentido de prejudicar e calar a imprensa, acho que não passa aqui. Eu mesma voto contra”, adiantou.

Entre os que descartaram a possibilidade de retaliação à imprensa e alegaram que a medida foi construída com base em sugestões de empresas de capital aberto para reduzir os custos dessas companhias, está Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE). “Se analisarmos o que está acontecendo no Brasil e no mundo, já que muitos jornais estão fechando, essa é uma demanda para dar mais transparência”, defendeu o líder do governo no Senado.

Segundo a medida, é da CVM a atribuição de regulamentar aplicação das novas regras, disciplinar quais atos e publicações deverão ser arquivados no registro do comércio, e que ato do ministro da Economia disciplinará a forma de publicação e de divulgação dos atos relativos às companhias fechadas. As disposições da medida provisória já estão em vigor. Apesar de produzir efeitos jurídicos imediatos, a MP precisa da apreciação pelas Casas do Congresso Nacional (Câmara e Senado) para se converter definitivamente em lei ordinária. (Entenda a tramitação)

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