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Manifesto contra Bolsonaro divide opiniões entre jornalistas baianos

Mais de 300 profissionais de imprensa se colocam contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República. Os signatários conclamam a sociedade “a exercer livremente seu direito de escolha pela vida, pela liberdade, pela democracia, pelas conquistas e direitos sociais e pela proteção à dignidade da pessoa humana”.

Um manifesto em defesa da liberdade de pensamento e da democracia no Brasil foi divulgado pelo Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba), em nome dos jornalistas baianos, na última segunda-feira (22). No documento liberado por Marjorie Moura, presidente do Sinjorba, mais de 300 profissionais de imprensa se colocam contra a candidatura de Jair Bolsonaro (PSL) à presidência da República. Os signatários conclamam a sociedade “a exercer livremente seu direito de escolha pela vida, pela liberdade, pela democracia, pelas conquistas e direitos sociais e pela proteção à dignidade da pessoa humana”. A ação foi criticada por jornalistas que rejeitam Fernando Haddad (PT) e já declararam voto pró-Bolsonaro no próximo domingo de eleição (28/10), ainda que não tenham se organizado para manifestar o apoio coletivamente.

Segundo o manifesto, existe “uma ameaça pesada e iminente contra o ambiente democrático em nosso país” e “só na democracia, os profissionais do jornalismo podem dispor da liberdade e da segurança para exercer integralmente o seu ofício”. O texto traz duras críticas ao capitão da reserva do Exército. “Um candidato que faz a apologia da violência e propõe, como simplória política de segurança, armar indiscriminadamente a sociedade; que nega os horrores da ditadura civil-militar de 1964-1985, não se peja de fazer o elogio da tortura e apresenta como seu livro de cabeceira a obra de um torturador”, observa o documento.

Para o jornalista Sérgio Gomes, no entanto, nada indica que o Brasil, se optar por Bolsonaro, corra o risco de mergulhar em um regime de exceção. “Ele terá de conciliar com o Congresso, com o Judiciário e com a própria sociedade. O Brasil já é suficientemente maduro para desembarcar em aventuras totalitárias, sejam elas de esquerda ou de direita. As instituições são fortes”, defende. Segundo ele, “a democracia exige a alternância do poder para legitimar-se”. Em sua análise, mais do que apoiadores de Bolsonaro, ele identifica uma posição antipetista.

“Se Lula teve êxito como presidente, malgrado as comprovadas falcatruas, empurrou ao país a tragédia incompetente chamada Dilma, que afundou a economia brasileira. Ninguém quer se arriscar com Haddad, possível novo poste à semelhança da ex-presidente, que acabou rejeitada pelo povo mineiro”. Questionado sobre a inexistência de manifestação organizada de jornalistas pró-Bolsonaro, Gomes diz que não deveria haver posição coletiva nesse sentido. “Respeito, mas não concordo com jornalismo partidariamente engajado, como queria [Antonio] Gramsci. O bom jornalismo necessita de isenção”, afirma.

Já para o pesquisador Wilson Gomes, professor da Faculdade de Comunicação da UFBA e coordenador do Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital (INCT.DD), é “ótima a expansão da percepção de que a candidatura de Bolsonaro é, efetivamente, uma ameaça à democracia”. De acordo com ele, seria estranho que alguém defendesse Bolsonaro a partir dos princípios que orientam o jornalismo. “A candidatura se baseia fundamentalmente no antipetismo como motivo eleitoral real. Mas, o jornalismo e a democracia nasceram juntos e os seus valores estão entrelaçados desde então”.

O docente diz ter acompanhado “com inquietação o fato de a maior parte do jornalismo no Brasil ter tratado Bolsonaro como qualquer outro candidato, enquanto a maior parte do jornalismo estrangeiro o tratou com o assombro e a repulsa merecida, por posições políticas que ameaçam a democracia e os valores liberais e humanistas”. Wilson Gomes lamenta que o manifesto seja uma posição dos jornalistas e não do jornalismo, não envolvendo as posições editoriais dos jornais. “Mas, é uma posição muito digna e merecedora de registro. Acho uma pena ter sido publicada só agora, quando não terá mais impacto eleitoral”. Por outro lado, ele acredita que o ato pode ter um significado importante depois da eleição, quando “será necessária a vigilância sobre a nova hegemonia política para contê-la dentro dos limites do Estado de Direito e do regime democrático”, completa.

“A essa hora, todos os cidadãos têm o direito e o dever de se manifestar. Só lamento que o jornalismo no Brasil, de uma maneira geral, tenha deixado de cumprir sua função, por motivos que incluem monopólio, concentração. Se o tivessem feito, provavelmente, não teríamos um Bolsonaro”, avalia o jornalista e analista político Bob Fernandes. Ele credita a inexistência de grupos de jornalistas organizados em defesa de Bolsonaro ao fato de que, em silêncio ou ostensivamente, já existem muitos. “Eu começaria por seus patrões, não necessariamente jornalistas, que, por omissão ou adesão, com o seu trabalho auxiliam Bolsonaro”.

Fernandes ponderou que diversos jornalistas e redações, por motivos profissionais ou pessoais, não podem recusar as pressões que estão existindo em favor de uma cobertura pró-Bolsonaro ou radicalmente contrária à Haddad. “Obviamente, eu não me refiro à opinião que todos temos, mas no publicar ou omitir, esconder ou falsear os fatos”, destaca. O jornalista citou o exemplo do Grupo Record, onde, segundo ele, “as pressões são quase insuportáveis”. Um caso trazido pelo jornalista foi a imposição de silêncio ao jornalista Juremir Machado, da Rádio Guaíba, em Porto Alegre. Durante a entrevista ao candidato Bolsonaro, o comentarista foi impedido de fazer perguntas e abandonou o programa “Bom Dia”, por não aceitar a censura.

Ainda de acordo com Bob Fernandes, o episódio mais gritante no momento é o cancelamento dos debates, aos quais Bolsonaro não compareceu, alegando motivos de saúde – após ser vítima de uma facada durante campanha em Juiz de Fora (MG). “Se um candidato se recusa a ir a uma entrevista depois de recuperado de um atentado criminoso, não há porque emissoras de televisão punirem o adversário e os eleitores, impedindo que o candidato que não desistiu do debate tenha acesso às emissoras no horário em que se daria o debate”. Para Bob, a imprensa contribuiu para o crescimento de Bolsonaro. “A ascensão de um fascista não acontece por acaso, nem de uma hora para outra. A sociedade e os jornalistas, mais ainda, têm responsabilidade. O fascismo não brota do nada”.

“Outsider”

Até quatro meses atrás, Bolsonaro não era o candidato de “X”. O jornalista, que não quis se identificar por medo de sofrer represálias na empresa onde trabalha, afirma que a Rede Globo está “claramente” fazendo campanha para o candidato petista. “O jornalista tem que ser equânime e eu não tenho visto isso desde a campanha Lula-Collor. Me chama a atenção que só um lado seja destacado. Para mim, uma democracia é como uma mesa, onde tem uma variedade de alimentos servidos”. Segundo ele, direito de escolha e alternância de poder são princípios básicos da democracia. “Quando votei em Lula, em 2002, defendi que seria uma experiência salutar. Jamais imaginei que ele se envolveria em altos esquemas de corrupção”.

Em meio a um sistema político em que os partidos tradicionais são desacreditados por escândalos, má gestão e crises, quem também enxerga Bolsonaro como um “outsider” é o jornalista e advogado Joaci Góes. Para ele, “o PT foi a pior desgraça que já se abateu sobre Pindorama”. Ele declarou já ter sido eleitor do PT e que “já passa da hora de encetarmos a caminhada, com passo firme, na direção do futuro”. Joaci vê com bastante otimismo um cenário Bolsonaro. No artigo publicado no jornal Tribuna da Bahia, no dia 25/10, ele destaca “sinais de recuperação econômica do país”, depois que as pesquisas eleitorais descartaram o retorno do PT ao poder.

“O mês de setembro, com mais de 137 mil novos empregos, bateu o recorde dos últimos cinco anos, o dólar continua caindo, enquanto a bolsa de valores sobe”, salientou Góes. “Bastou uma pequena oscilação das pesquisas, em favor do candidato Haddad, na última terça-feira, para o dólar subir e a bolsa cair”. De acordo com ele, “é previsível que a cada mês se reduza o número trágico e ultrajante dos desempregados”.

Com propostas pouco específicas, um discurso conservador e apostando em uma estratégia de campanha polêmica e “antissistema”, Bolsonaro lidera as intenções de voto em todas as pesquisas divulgadas. Se depender do fotógrafo Luiz Hermano Abbehusen, seu candidato estará no Palácio da Alvorada. “O momento dele é esse. Por ser militar, ele é patriota. A gente já tem uma posição do que foi o governo do PT: Petrolão, Lava-jato, uma boa parte na cadeia, outra denunciada e outra no ‘balança, mas não cai”, opina.

Sobre as manifestações controversas do capitão da reserva, que incluem desde piadas xenofóbicas a declarações racistas e em defesa de torturadores atuantes na ditadura, ele intervém. “Eu não vi ele torturar ninguém. Para tirar o pessoal que está aí, é melhor aventurar e botar o novo. Não é ladrão, não é corrupto e não está preso. Conseguiram destruir a moralidade no país”, disse. “Eu não enxergo que ele esteja incentivando a violência. Foi ele que tomou a facada. Se não der certo, a gente tira, nós temos o direito de mudar. O Brasil não tem dono. [O PT] quer ficar o tempo todo no poder, não quer entregar para outra facção”, defendeu Abbehusen.

Confira a íntegra do manifesto:

Manifesto dos Jornalistas Baianos pela Liberdade de Pensamento e Democracia

Nós, jornalistas radicados ou não na Bahia, independentemente de distintas posições políticas e ideológicas, vimos a público afirmar nosso inarredável compromisso com a democracia e a nossa determinação de defendê-la em nossos termos com vigor. Há, neste momento, uma ameaça pesada e iminente contra o ambiente democrático em nosso país, representada por um candidato à presidência da República que declaradamente se opõe à continuidade das conquistas sociais dos anos de redemocratização, à consolidação dos direitos humanos e do respeito à diversidade do povo brasileiro.

Um candidato que faz a apologia da violência e propõe, como simplória política de segurança, armar indiscriminadamente a sociedade; que nega os horrores da ditadura civil-militar de 1964-1985, não se peja de fazer o elogio da tortura e apresenta como seu livro de cabeceira a obra de um torturador reconhecido como tal em todos os documentos formais produzidos sobre o período, do Brasil, Nunca Mais, da Comissão de Justiça e Paz, ao Relatório da Comissão Nacional da Verdade.

Entendemos que somente no ambiente democrático viceja a liberdade de pensamento e de expressão, condição sine qua non para a prática de um jornalismo republicano e vigoroso, essencialmente comprometido com a busca da informação verdadeira em qualquer suporte, um direito inalienável da sociedade em seu conjunto.

Só na democracia, os profissionais do jornalismo, que por definição estão, acima de tudo, empenhados na busca da verdade factual, que tantas vezes contraria interesses poderosos, podem dispor da liberdade e da segurança para exercer integralmente o seu ofício.

Assim, diante das ameaças cada dia mais aterradoras e diretas à democracia brasileira, vimos conclamar a sociedade e cada pessoa neste país a exercer livremente, no próximo domingo, 28 de outubro, seu direito de escolha pela vida, pela liberdade, pela democracia, pelas conquistas e direitos sociais e pela proteção à dignidade da pessoa humana.

Salvador, 22/10/2018.

Sindicato dos Jornalistas Profissionais no Estado da Bahia (Sinjorba)

Marjorie da Silva Moura

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