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O Pelourinho reclama requalificação

Consuelo Pondé – Diretora da ABI

Prolongamento do Terreiro de Jesus, onde floresceu, nos inícios da Colônia, o Colégio dos Jesuítas, constitui-se o Pelourinho num dos mais importantes conjuntos arquitetônicos da América Latina. Os inacianos foram os introdutores do primeiro curso de Arte, Filosofia e Letras e, pode-se afirmar, os criadores do ensino “universitário” na América Portuguesa. Esses estudos não resultaram em Universidade em função da política portuguesa, ao contrário do que ocorrera nas possessões espanholas.

O Colégio dos jesuítas abrigava os estudantes abonados da cidade, que pertenciam à nova aristocracia colonial, vale dizer, os filhos dos proprietários rurais, negociantes abastados, que saiam da instituição preparados para cursar a Universidade de Coimbra, onde realizavam curso superior.

Apesar dessa limitação absurda do governo português, naquele espaço histórico floresceu a cultura brasileira nos seus passos iniciais, representada pelo já citado Colégio dos Jesuítas, bem assim a Aula Militar, e a Faculdade de Medicina. No seu entorno foram edificados magníficos exemplares da arquitetura religiosa, até hoje visitadas e revisitadas pelos  admiradores da arte barroca de matriz portuguesa.

Com o passar do tempo, especialmente, a partir dos finais do século XIX, o Pelourinho foi-se degradando, convertendo-se em zona habitada por gente de baixo poder aquisitivo, sem “eira nem beira”, que passou a viver nos velhos sobrados, não mais conveniente às necessidades dos ex-moradores, em virtude dos obsoletos padrões arquitetônicos e da falta de conforto requerido pelas exigências daquele novo instante da vida da cidade. Sob o ponto de vista comercial, ocorreu a desvalorização dos imóveis, que social e economicamente, foi sendo objeto de interesse de pessoas de pequenos ganhos, que necessitavam morar perto do local onde trabalhavam.

Entretanto, ainda, nos inícios do século XX, ou seja, na primeira década, figuras expressivas da vida baiana ainda moravam na área do Pelourinho, fosse na Praça José de Alencar, fosse na Rua do Paço, ou mesmo no Largo do Pelourinho, como a Família Teixeira, da antiga e tradicional estirpe de Caetité, além de outras pessoas gradas. No Cruzeiro de São Francisco nasceu o poeta Gregório de Mattos Guerra.

Esse núcleo importante da velha Soterópole abrigou movimentos literários de elevada significação tais como: A Nova Cruzada e a Academia dos Rebeldes. Mais tarde, no Terreiro de Jesus, funcionou o Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, a Academia de Letras da Bahia e o Centro de Estudos Afro-Orientais (no mesmo edifício), e a gloriosa Sociedade Protetora dos Desvalidos.

O primeiro projeto de recuperação do Pelourinho foi feito pela Diretoria do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (DPHAN), que cominou com a UNESCO a vinda de uma missão ao Brasil, visando ao objetivo de analisar e sugerir providências destinadas ao seu aproveitamento como centro cultural e artístico da cidade.

Àquela altura, o Pelourinho e ruas adjacentes haviam se transformado em antro de prostituição e de boemia, tendo sido o trabalho realizado pelo IPAC uma obra de “salvamento” admirável, de maneira tal que a área histórica foi recuperada da lenta decadência, a ponto de tornar-se local de atração turfística para todos que visitavam a velha Cidade da Bahia. Trabalho iniciado no Governo Luís Viana Filho, teve continuidade na gestão do Governador Antônio Carlos Magalhães.

Colaborou com essa iniciativa a Federação do Comércio, presidida por Deraldo Mota, sendo de sua iniciativa a reconstituição de quatro casas no Largo do Pelourinho e a instalação do SENAC e do SESC. Também foram instaladas uma porta aberta para o turismo a Escola de Hotelaria do Senac, comportando um restaurante de comidas típicas. A 5 de janeiro de 1975 inaugurou-se o Museu das Portas do Carmo, no prédio de  número 13. Muitos restaurantes, bares, sorveterias e ateliês ali se instalaram, deixando o Pelourinho em condições de agradar aos mais exigentes visitantes. Estacionamentos também permitem o acesso de veículos de passeio, desde quando naquela região não é possível existir trânsito livre.

Antigos edifícios mantiveram suas fachadas, mas foram destruídos internamente, para ceder lugar a espaços de lazer, onde são apresentados espetáculos culturais, musicais, a exemplo da Praça Tereza Batista, personagem de Jorge Amado que, no Pelourinho, tem ali seu “espaço de memória”, representado pela Fundação Casa de Jorge Amado.

Lamentavelmente, com o passar dos anos e o abandono a que se costuma relegar o patrimônio cultural da Bahia, o Pelourinho não oferece os mesmos atrativos daqueles vividos há algumas décadas.

Pálida sombra do que foi, deve, ao menos, servir de recordação para os que tiveram a ventura de viver seus tempos de revitalizador apogeu.

Em 28.08.2013

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