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Pesquisadores criam métodos para estudar os usos do WhatsApp nas eleições 2018

11h04 da manhã e em algum lugar do Brasil alguém inicia o compartilhamento da notícia “TSE informa: 7,2 milhões de votos anulados pelas urnas! A diferença de votos que levaria à vitória de Bolsonaro no primeiro turno foi de menos de 2 milhões. O TSE tem obrigação de esclarecer os motivos que levaram à anulação”. 239 pessoas são atingidas. Cinco horas mais tarde, quase sete mil pessoas tinham sido alcançadas pelo boato originado no WhatsApp. E nem mesmo o desmentido do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), na sua conta oficial no Twitter, foi capaz de apagar o incêndio em torno da confiabilidade das urnas nas eleições das fraudes virais. Pesquisadores desenvolveram métodos para investigar a lógica de viralização de informações na plataforma fechada e o cenário de inovações nas campanhas. Os resultados preliminares dos estudos foram apresentados durante o debate “O Papel do Whatsapp nas Eleições 2018″, no último dia 12.

O evento promovido pelo INCT.DD (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia em Democracia Digital) aconteceu no Auditório da Faculdade de Comunicação da Universidade Federal da Bahia (Facom/UFBA). Com mediação do professor Wilson Gomes, coordenador do INCT.DD, a mesa foi composta por dois pesquisadores associados ao Instituto: o professor Viktor Chagas, pesquisador do departamento de Estudos Culturais e Mídia, pela Universidade Federal Fluminense (UFF), e o doutorando em Comunicação da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (UERJ), João Guilherme Santos. Ambos lideraram pesquisas sobre as funções do Whatsapp no pleito deste ano. A circulação de fake news, a formação de redes de colaboração e as novas formas de ativismo em ambiente digital foram temas abordados pelos convidados.

O professor Wilson Gomes ressaltou o caráter preliminar da pesquisa e parabenizou os jovens pesquisadores, por descobrirem meios de investigar o aplicativo de comunicação instantânea que se tornou o centro da disputa eleitoral. “Em meio digital não se pode demorar anos pesquisando porque os fenômenos mudam muito rapidamente. Quem pensava em campanhas digitais em 2014, por exemplo, não imaginou que não estaríamos falando em redes sociais digitais em 2018”.

Como começou

Em nenhum outro processo eleitoral brasileiro, foi registrado um volume tão grande de boatos e falsas notícias sendo disseminado. Ao contrário do que foi visto até agora em eleições de outros países, no Brasil a propagação de fake news acontece no WhatsApp, aplicativo que alguns especialistas já chamam de “caixa preta”. São mais de 120 milhões de brasileiros utilizando o mensageiro todos os dias. Os boatos que circulam pelos grupos do famoso “zap” são parecidos com os das redes sociais, mas ficam escondidos em conversas privadas, circulando dentro de bolhas.

Para Wilson Gomes, estudar Twitter, Youtube e Facebook – redes públicas ou semipúblicas, onde os dados são publicados e é possível analisar – é diferente de estudar o WhatsApp, “uma rede mais móvel, menos rastreável, mais abaixo do radar da Justiça Eleitoral”. Nesse contexto, quem monitora comportamentos políticos em redes sociais, tem notado fenômenos interessantes. “Há alguns anos, monitoramos grupos de extrema direita no Brasil. Vimos o início de uma coisa curiosa, que era a militância homofóbica, para lutar contra o direito dos homossexuais terem direito, por exemplo”.

De acordo com Wilson Gomes, esses grupos foram se formando ao redor de figuras como Silas Malafaia, Marco Feliciano e Marisa Lobo, principalmente no Twitter. “Em 2013, surgiram também aquelas startups de direita, como o MBL e Revoltados Online. Então, começamos a notar a presença de intervencionistas militares, grupos contra os direitos humanos, antipetistas, machistas revoltados contra as reivindicações de direitos das mulheres”. Wilson afirmou que em 2014, tais grupos já orbitavam ao redor de Eduardo Cunha. “Se Cunha não tivesse falecido politicamente, não teríamos hoje o bolsonarismo, mas sim o Cunhismo. Depois do falecimento político de Cunha e da vitória de Donald Trump nos EUA, eles encontraram um ‘champion’ na figura de Bolsonaro”. Foi nesse ponto que percebemos que não se tratava apenas de Twitter, Facebook e Youtube”.

É aí que entra o papel do WhatsApp e a importância das pesquisas desenvolvidas pelos professores Viktor Chagas e João Guilherme. Enquanto João Guilherme está preocupado com a lógica da viralização, da propagação de material digital em grande velocidade e para um grande alcance, Viktor está orientado por outras questões, sobre as dinâmicas de funcionamento interno da campanha nesse nível, quem são os atores fundamentais, quais são os seus movimentos, quem posta, quem organiza, como se distribui nacionalmente.

Como integrante do Laboratório Nacional de Computação Científica (LNCC), João Guilherme passou a pesquisar como o WhatsApp consegue ser usado para viralizar informações. Uma das chaves de seu percurso metodológico foi entender o aplicativo como uma rede de grupos interconectados por pessoas, ao invés de entendê-lo apenas como um grupo de indivíduos interconectados. “Não tem como um indivíduo isolado numa rede privada viralizar informação nessa escala. Mais de 90% de todos os grupos pesquisados estavam interconectados”.

A pesquisa liderada por João Guilherme se concentrou nos grupos conservadores, quando ele percebeu que, embora existissem informações que levavam ao engano nos grupos de candidatos como Fernando Haddad (PT) e Ciro Gomes (PDT), “uma atuação sistemática para viralizar um padrão de notícia falsa era muito mais recorrente, de um modo estatisticamente relevante, nos grupos que apoiam Jair Bolsonaro [PSL]”, justificou.

Mas, qual a trajetória da notícia falsa numa rede tão diversa e complexa? O pesquisador explica que existem caminhos preferenciais desses conteúdos. “O WhatsApp virou um paraíso das notícias falsas porque ele junta o anonimato da fonte original, criptografia ponta a ponta, tudo o que alguém que vai mandar notícia falsa quer. E ele conseguiu viabilizar a viralização”.

Segundo ele, por mais que as notícias sejam falsas, elas não são aleatórias, mas se nutrem de uma série de medos que as pessoas que replicam já tinham antes da eleição. “A única coisa que alguém fez foi pegar esse medo, conectar com notícia falsa e jogar ali”, afirmou o pesquisador, citando a notícia falsa que abre esta matéria. João Guilherme disse que o boato sobre a fraude nas urnas encontrou terreno fértil em quem já acreditava na tese. “Não é porque as pessoas estão interconectadas que todo mundo vai receber a notícia. Isso garante que apenas os grupos mais propensos a acreditar numa notícia falsa a receba, os grupos de política”.

Astroturfing

Viktor Chagas é organizador do #MUSEUdeMEMES e começou sua pesquisa tentando compreender a lógica desses conteúdos de humor que se espalham via Internet, no âmbito eleitoral. Mas, logo notou que uma das plataformas base para a campanha de 2018 seria o WhatsApp. E mais: não foram as eleições dos memes. Mas dos virais. Sua pesquisa observou um conjunto de conteúdos que circulavam “de uma forma unívoca e individual, já pronta, muito mais do que conteúdos da chamada criatividade vernacular, que é o que caracteriza o universo dos memes”, afirmou. Segundo ele, o conjunto derivativo de paródias ficaram prejudicados, em parte, pela ausência dos debates. “A gente teve memes nessas eleições. Mas o que a gente viu foram virais, inclusive alguns podem ser caracterizados como fake news”.

Focado na atuação de redes conservadoras em ambientes de campanha digital opaca e ecossistemas midiáticos híbridos, Viktor acabou traçando um perfil da rede de apoio e campanha de Jair Bolsonaro. “Conseguimos identificar ações coordenadas, grupos com estrutura organizada para disseminação de conteúdos”. De acordo com o pesquisador, a profissionalização da campanha pôde ser identificada, entre outros elementos, pelo material circulado nos grupos, onde era notória a criação padronizada de cards e outros materiais de insumo para as ações multiplataformas.

Sua equipe fez o monitoramento sistemático de 124 grupos, para entender as diferenças entre as campanhas online entre as outras plataformas e a desenvolvida no âmbito do Whatsapp, e saber como esses grupos se organizam. Viktor Chagas começou a desenvolver um modelo de pesquisa encoberta e participar dos grupos, observar o funcionamento interno, coletar dados e anonimizar dados que dizem respeito à intimidade dos usuários. “Como os grupos são muito voláteis, trabalhamos com três retratos da rede: período de campanha, final do primeiro turno, final do segundo turno”.

O pesquisador demonstrou ter encontrado características de astroturfing [prática de mascarar os patrocinadores de uma mensagem com o intuito de fazer parecer que ela tenha se originado de forma orgânica] nessa dinâmica de campanha, como a pouca interação dialógica entre eles, a infraestrutura e material padronizado. “Estão mais preocupados em difundir informações, criar materiais para circular”. Segundo o professor, usuários com menor letramento político são mais propensos a embarcar nesse tipo de dinâmica e repassar. “A campanha combina todos esses elementos”.

A pesquisa identificou a presença de um número de campanha atrelado ao deputado federal Eduardo Bolsonaro, filho de Jair Bolsonaro, em pelo menos 30 grupos diferentes. “Ele administrava meia dúzia desses grupos. É um dos atores mais ativos ao longo da campanha. Senão ele, o seu staff. Fato que exclui qualquer possibilidade de resposta do tipo ‘não tenho a menor vinculação com essa rede’. Junto com ele, identificamos outros políticos. Mas esses números não são números públicos, como é o dele”, ressaltou.

Os resultados se replicam ao longo das duas pesquisas e caminham quase sincronicamente, com pequenas diferenças. Foram mais de 200 grupos envolvidos diretamente na campanha. Os dados coletados pelos pesquisadores estão sendo processados e artigos serão publicados em breve com os resultados.

Sobre o INCT.DD – O INCT.DD agrega diversos grupos e laboratórios de pesquisa nacionais e internacionais dedicados a explorar meios e modos de usar a tecnologia para produzir mais (e melhor) democracia. Com o laboratório central e a coordenação na Facom/UFBA, o Instituto conta com 79 pesquisadores-doutores, sendo 44 cientistas que atuam em centros de pesquisa brasileiros e 35 pesquisadores estrangeiros: 15 australianos, 12 pesquisadores de 8 diferentes países europeus, seis americanos, um chileno e um canadense. No total, estão envolvidas na rede do projeto 37 instituições (universidades, centros de pesquisa e laboratórios), sendo 16 brasileiras e 21 estrangeiras.

Assista ao debate “O Papel do Whatsapp nas Eleições 2018″:

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