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É proibido filmar? – Parte II

Uma abordagem policial filmada de forma acidental causou revolta nas redes sociais. Nas imagens, o youtuber Filipe Ferreira gravava manobras de bicicleta para o seu canal no Youtube quando foi abordado por policiais (vídeo), no Distrito Federal, no último sábado. Ao questionar o motivo da ação, o jovem negro recebeu respostas ríspidas, xingamentos, teve armas apontadas contra si e foi algemado com as mãos para trás, porque, segundo os PMs, aquele era o “procedimento”. Um dos agentes interrompe o vídeo na sequência. O tratamento dado ao atleta provocou debates sobre abuso de autoridade e os limites da atuação da força policial, além de reflexões sobre desigualdades raciais no Brasil. Rotineiramente, jovens de regiões periféricas são abordados de forma violenta e quem se atreve a filmar ações da polícia, seja profissional da imprensa ou não, precisa enfrentar ameaças e tentativa de impedimento do registro.

Afinal, é proibido filmar? Em conversa com especialistas, a reportagem da Associação Bahiana de Imprensa apurou o que diz a legislação sobre a filmagem de ações policiais, abordou a Lei de Abuso de Autoridade e a necessidade de estabelecer limites à atuação de agentes da segurança pública.

A ABI já se reportou à Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) em diversas oportunidades, sobre reações violentas que podem ser enquadradas como abuso de autoridade, envolvendo policiais e profissionais de imprensa ou cidadãos que registravam operações policiais. (ver levantamento feito pela ABI)

Em agosto de 2017, uma reportagem da ABI (É proibido filmar?) revelou um episódio de agressão policial em Milagres (BA), depois que um capitão da Polícia Militar da Bahia deduziu estar sendo filmado por uma adolescente, enquanto um grupo da vizinhança era abordado pela guarnição. A ABI chegou a abordar o assunto em um encontro com representantes de órgãos responsáveis pela segurança pública, membros do Judiciário, advogados e jornalistas. Na época, a SSP-BA enviou uma nota em que informava que a Corregedoria Geral estava acompanhando a investigação.

Passados mais de três anos do ocorrido no interior do estado, a Associação buscou mais uma vez respostas sobre o resultado da apuração. A PM afirmou que na época do fato relatado pela matéria da ABI, “o policial militar suspeito de praticar agressões foi afastado das atividades pelo tempo que duraram as investigações. Ao fim da Sindicância, a mesma foi arquivada. O referido policial não trabalha mais na região”, diz o email enviado pela Corporação.

A ABI procurou o Comando da PM-BA e a Secretaria da Segurança Pública do Estado, para dizer à sociedade o que tais instituições estão fazendo para coibir o abuso de autoridade desencadeado pelo registro de sua atuação, por profissionais de imprensa ou não. Segundo a SSP, a orientação para seus efetivos civis e militares é de que não existe lei que proíba a filmagem. “A SSP capacita os efetivos sobre o direito do cidadão. A pasta destaca ainda que orienta as equipes, existindo viabilidade, a gravarem as abordagens e cumprimentos de mandados. Os materiais podem ser usados durante possíveis apurações de conduta”, diz o órgão.

O advogado Samuel Vida, professor de Direito da UFBA e Ucsal, explica que uma ação policial de abordagem a um cidadão ou cidadã é uma ação pública. “Deveria interessar aos policiais que ela fosse registrada, para não pairar nenhuma dúvida quanto à característica legal dessa ação”, afirma. Em vários países, o policial filma a própria ação, seja em fardas com câmera acoplada seja com um agente na função de registrar de maneira a preservar o policial de uma eventual denúncia falsa ou acusação de excesso que não tenha ocorrido.

No Brasil, há um processo tímido de implantação desse recurso, com tentativas por parte dos estados do Rio de Janeiro e São Paulo. Aqui na Bahia, a SSP afirmou que analisa a utilização de câmeras nos uniformes das polícias. “A ação não pode ser resguardada por uma escolha do agente. O cidadão pode filmar, é um direito filmar. Não há absolutamente nenhum impedimento legal para esse registro”, explica Samuel Vida.

No entanto, o advogado recomenda alguns cuidados. “Esse registro não pode ter excessos. Uma filmagem que narra um acontecimento com uma interpretação que não se confirme a posteriori, pode levar o autor a responder. Há uma recomendação que preferencialmente os cidadãos ao registrarem abordagens abstenham-se de fazer narrativas”, adverte. Ele, inclusive, sugere que se faça a transmissão ao vivo pelas redes sociais, porque o conteúdo vai ficar salvo, ainda que o aparelho seja ilegalmente confiscado. “O que o que mais protege alguém que registrou um ato abusivo é a publicidade. Quanto mais divulgado menor a chance de retaliação”.

Foto: Rebeca Lima

Uma das reações de policiais filmados em abordagens é ameaçar levar o autor do registro para a delegacia. Mas o advogado Fernando Santos, membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB explica que a condução coercitiva é medida excepcional e só pode ser realizada nas hipóteses autorizadas por lei. “A pessoa indicada enquanto testemunha tem o dever cidadão de colaborar com as investigações, mas se for vitimada por uma condução forçada irregular, precisa registrar a ocorrência de um crime de abuso de autoridade”, afirma.

Violência contra a imprensa

O jornalista e empreendedor Evilásio Júnior, conhecido por mostrar os bastidores da política da Bahia, com matérias e entrevistas exclusivas, passou por um sufoco durante as manifestações de junho de 2013 no Brasil. “Era Copa das Confederações, o país estava pegando fogo. Parte da corporação entrou no clima de vale-tudo e passou a agredir manifestantes e a imprensa, de forma arbitrária”, conta. Evilásio atuava como editor-chefe do site Bahia Notícias, mas resolveu cobrir as manifestações. “Presenciei um rapaz que estava com uma câmera fotográfica ser agredido pela PM. Nem sabia que ele era um profissional a serviço do Correio. Deram uma gravata nele, jogaram no chão e tomaram o equipamento. Me aproximei e perguntei o que estava havendo e os policiais se exaltaram”, relata o editor do site que leva o seu nome. O veículo está com as atividades suspensas durante a pandemia e seu conteúdo está em fusão temporária com o site Bahia Jornal.

Na ocasião, mesmo Evilásio tendo se identificado como jornalista e informado que estava a trabalho, foi agredido, imobilizado e recebeu jatos de spray nos olhos. “Percebi que eles queriam me provocar para eu perder a razão e eles terem motivo para me prender por desacato”, lembra. Outro colega de profissão se aproximou para ajudar, mas foi levado preso. “Eu respeito a Polícia Militar e a Polícia Civil. Tenho familiares com história nas corporações e sei que o trabalho deles é fundamental para a população. O que houve comigo foi um excesso”. Para ele, é essencial ao jornalista ter conhecimento sobre a legislação para se proteger de abusos. “Eu tenho conhecimento sobre as leis, pude me defender segundo o que diz a legislação brasileira. Porque a violência deles intimida e o profissional pode acabar não apurando uma informação, evitando ir para determinada pauta, se autocensurando”, alerta.

Para o jornalista Ernesto Marques, presidente da Associação Bahiana de Imprensa, tensão e colaboração fazem parte da relação entre imprensa e forças de segurança. “Como braço armado do Estado, as polícias devem ter em conta que a sua atuação sempre será pauta da imprensa. Tanto para o aplauso, quanto para a denúncia”, observa. “Os agentes de instituições públicas precisam conviver com a natureza essencialmente crítica da imprensa e sua obrigação de denunciar”, defende o dirigente.

Segundo Marques, abordagens abusivas, por exemplo, ou excessos na aplicação da força institucional do distintivo, ou da coerção pela imposição de armamento letal ou não letal, são exemplos de má conduta e precisam ser denunciados. “Pessoas do povo que não trabalham com atividade jornalística têm o direito de escolher o que fazer diante de um abuso dessa natureza. E, assim como os profissionais da notícia, não podem sofrer qualquer tipo de represália por isso”, afirma.

Abuso de autoridade

De acordo o advogado Samuel Vida, a ideia de desacato à autoridade tem servido no Brasil para justificar abusos policiais. “Um cidadão pode questionar uma ação policial, que é parte da ação pública e deve ser fiscalizada”, explicou, em entrevista realizada na sede da ABI. Samuel se dedica a desenvolver um trabalho que alia a atuação na advocacia com a formação de novos quadros, para, segundo ele, pensar o direito numa perspectiva democrática e comprometida com os direitos humanos. O professor acredita que há uma tradição no Brasil de uma polícia violenta e ilegal. “Uma polícia que opera com a violência como recurso profissional, técnico, eu diria. Portanto, há uma formação policial orientada para o viés da prática sistemática da violência contra os cidadãos”, analisa.

Ele denuncia que a ação policial no Brasil em geral e na Bahia é marcada por uma violência sistemática. “A militarização, em especial, da chamada polícia militar, concorre para isso, porque trabalha com a ideia de uma guerra e um inimigo. Esse inimigo acaba sendo materializado no cidadão negro e pobre, que passa a ser a vítima dessa ação de combate”, afirma o advogado. Filho de ferroviário e de uma costureira, morador do Pau da Lima, ele conhece bem essa realidade e recorda que sua origem familiar o colocou muito cedo com essa dimensão de se reconhecer enquanto indivíduo negro e potencial alvo da violência policial. “Temos uma política de segurança profundamente violenta, brutal, genocida. São abordagens absolutamente fora da legalidade que deveria marcar uma polícia cidadã. Não é possível conciliar democracia com política de segurança pública violadora de direitos”, ressalta.

Samuel Vida lembrou episódios de sua adolescência. Desde batidas policiais até um delegado que andava com uma espécie de chicote, para espancar garotos que estivessem na rua à noite. “Esse é um problema estrutural que marca a formação institucional brasileira e que nunca foi devidamente enfrentado por nenhum governo. Nem os governos mais progressistas”, critica.

Por outro lado, o professor considera a Lei de Abuso de Autoridade (13.869/2019) um avanço. “Ela consegue definir com mais precisão aquelas situações que se enquadram em abuso de autoridade. Anteriormente, nós tínhamos uma disposição genérica, que exigia uma interpretação mais complexa para enquadrar. Essa lei é mais detalhista”, avalia.

A Lei de Abuso de Autoridade apresenta, em seu Capítulo IV, 24 hipóteses normativas vigentes que possibilitam a incidência de sanções de natureza penal ao agente público que abuse do poder que lhe foi atribuído. “Esta lei representa um avanço estrutural na luta por um sistema que se distancie do autoritarismo”, concorda o advogado Fernando Santos. Segundo ele, a imposição de limites rígidos à liberdade de atuação do Estado e a possibilidade de apuração e punição de eventuais excessos fortalece a percepção de pertencimento a um Estado Democrático de Direito.

Além de alterar dispositivos normativos pré-existentes, a lei foi responsável pela revogação da antiga lei de abuso de autoridade, forjada durante a ditadura militar, que, na análise do especialista, apresentava instrumentos ineficazes de responsabilização dos agentes que cometessem os ilícitos ali disciplinados.

Racismo e impunidade

Samuel Vida ressaltou a natureza institucional da violência como uma técnica indissociável da ação policial no Brasil. “Isso tem raízes históricas. A maioria das PMs se formou ainda no período da escravidão e em muitos casos através da arregimentação de capitães do mato. Na verdade, as polícias vão sendo criadas para substituir as milícias privadas dos senhores de engenho e que passam a ser mantidas pelo estado, com uma função clara de conter aquela maioria reprimida e tratá-la sempre como inferior, como não cidadãos”, reflete.

Segundo ele, essa lógica não se modifica na república e se acentua em momentos de autoritarismo, como na ditadura militar. “Isso está sendo retomado neste momento de maneira muito intensa sobretudo pela produção de uma espécie de populismo punitivista em torno da ideia de segurança pública”. Samuel destaca que parte da população defende que se mate o infrator. “Isso cria um ambiente que legitima a ação violenta e produz por parte das instituições o que eu tenho chamado de cinismo institucional. Porque não se trata de casos isolados, como declaram”. Em 2014, recorda o professor, a PM produziu um material onde diziam “se orgulhar de ter lutado contra Canudos, contra a Revolta dos Malês, ‘defendendo a sociedade baiana’. Ou seja, eles têm orgulho de ter operado contra as tentativas de democratização da sociedade”.

Todas as ações ilegais têm previsões punitivas, seja na esfera penal ou administrativa. “Mas esses procedimentos acabam sendo esquecidos. A própria imprensa não acompanha o caso até o fim. Há uma boa divulgação num primeiro momento. Passados dez dias, ninguém fala mais do caso. A imprensa precisaria ter um protocolo de acompanhar”, destaca Samuel Vida. Para ele, é preciso que a pauta jornalística tenha a capacidade de manter aquele tema periodicamente revisitado e monitorado, “porque senão a probabilidade é de que a punição seja branda ou inexistente”, reconhece. “Eu já desisti em pelo menos duas ocasiões de registrar a ocorrência. Não é fácil enfrentar uma instituição que é extremamente solidária internamente. Eles fazem tudo para impor obstáculos, arrastar a apuração e as pessoas esquecerem. Gerar impunidade”, lamenta.

Para Samuel Vida, “a imprensa é fundamental e pode ser a parceira mais preciosa, sobretudo, se ela compreender a necessidade de acompanhamento desses casos”, afirma. “Ela [a imprensa] precisa incorporar na sua própria atuação a diversidade racial e o debate permanente sobre as desigualdades raciais, tanto na definição de pauta quanto na composição do corpo jornalístico. Ainda é preciso mais engajamento e uma estratégia mais definida”, conclui o advogado.

>> Seguem abaixo as respostas enviadas pela SSP e pela PM-BA:

SSP-BA, dia 29 de abril de 2021

A SSP investe em capacitação e orienta os policiais sobre o direito do cidadão, em alguns casos profissional de jornalismo, de filmar a atividade policial. Caso ocorra, as Corregedorias são acionadas. A SSP solicita que, caso aconteça qualquer tipo de ameaça virtual, verbal ou física, a vítima registre o caso em uma Delegacia Territorial para que rapidamente as medidas correcionais sejam adotadas e o agressor responsabilizado. Não existe lei que proíba a filmagem. A SSP capacita os efetivos sobre o direito do cidadão. A pasta destaca ainda que orienta as equipes, existindo viabilidade, a gravarem as abordagens e cumprimentos de mandados. Os materiais podem ser usados durante possíveis apurações de conduta. A SSP analisa a utilização de câmeras nos uniformes das polícias.

Email da PM-BA, dia 21 de maio de 2021

Ressaltamos que é importante que os denunciantes formalizem os fatos através da Corregedoria da PM (rua Amazonas, nº 13, Pituba, Salvador/BA) ou a Ouvidoria da instituição (pelo 0800 284 0011 ou pelo site www.pm.ba.gov.br). A identidade do denunciante é mantida em sigilo. Dessa forma, as circunstâncias serão apuradas oficialmente com todas as partes sendo ouvidas.

Conforme informações obtidas junto à Corregedoria da PM, na época do fato relatado pela matéria da ABI, ocorrido em Milagres, o policial militar suspeito de praticar agressões foi afastado das atividades pelo tempo que duraram as investigações. Ao fim da Sindicância, a mesma foi arquivada. O referido policial não trabalha mais na região.

A Polícia Militar desconhece a informação de que vídeos de supostas agressões estariam sendo utilizados como peça educativa no âmbito desta instituição.

A Corporação tem um efetivo de 29.310 mil policiais militares.

Atenciosamente.

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É proibido filmar?

“Vamos, sua vagabunda, passe o celular!”. Incorporada ao cotidiano das vítimas de assaltos, essa frase já não causa estranhamento, exceto por um detalhe: foi dita por um policial militar. Era por volta das 17h do dia 21 de julho, quando três policiais invadiram uma casa no bairro do Alecrim, na cidade de Milagres (sudoeste da Bahia), em busca de Y.S., de 15 anos. A adolescente foi agredida com socos e tentativa de estrangulamento, depois que o policial que comandava uma ação deduziu estar sendo filmado. A denúncia recebida pela Associação Bahiana de Imprensa (ABI) reforça uma antiga preocupação da entidade e reacende a discussão sobre o direito ao acesso à informação de interesse público e à liberdade de expressão. Afinal, é crime registrar a atuação policial? Qualquer pessoa pode filmar em via pública, mesmo não sendo um jornalista?

Audiência pública realizada na ABI, em 2013 – Foto: ABI

A repetição das violações que agentes policiais do Estado têm praticado, especialmente contra profissionais de comunicação, foram alvo da ABI em junho de 2013, quando a associação cobrou das autoridades apuração rigorosa dos sucessivos casos de abuso durante a cobertura das manifestações. Em 2015, chegou à ABI a denúncia de Marivaldo Filho, repórter do site Bocão News agredido por fotografar uma abordagem.

Assim como o jornalista, a mãe da garota do caso de Milagres também postou no Facebook o desabafo. O texto dela traz um combo assustador, que envolve acusações de abuso de autoridade com agressão, invasão de domicílio, violação de privacidade, violência contra a mulher e contra adolescente, além de injúria racial.

“Deu murro nela, enforcou e ainda chamou de vagabunda”, disse Veronica Pereira, sem esconder a tristeza. Ela ainda explicou que se tratava de uma menor, na tentativa de fazê-lo parar. Mas foi agredida também. “Não consigo tirar da cabeça. Fico vendo minha mãe toda machucada, sem poder fazer nada”, disse Y.S.. Desesperada, a professora de jardinagem e horticultura retrucou que conhecia os seus direitos.

“Que direitos você tem, sua preta? Eu vou te dar seus direitos”, teria respondido o PM. Além de levar uma surra, foi humilhada verbalmente e ameaçada. “Você não imagina como a gente está sofrendo. Ser tratada mal, apanhar, quando tem tanto bandido por aí”, lamentou. Segundo ela, que ainda amamenta seu bebê de um ano, a família foi mantida sob o poder dos policiais, enquanto as duas sofriam agressões presenciadas por sua mãe, uma senhora hipertensa e diabética de 69 anos, e seu filho de 14.

Bairro do Alecrim, Milagres-BA
Bairro do Alecrim, Milagres-BA

O policial apontado como autor da agressão é o Capitão Gutemberg, da 3ª CIA do 11º BPM (Itaberaba), que realizava patrulhamento no bairro. Ele avistou Y.S. na porta de casa com um celular na mão e se irritou com a possibilidade de ter registrada sua abordagem a jovens que jogavam bola na quadra de esportes. Mandou a adolescente digitar a senha para desbloquear o aparelho. Vasculhou todo o conteúdo, inclusive mensagens do WhatsApp. O policial constatou, no entanto, que não havia gravação.

Um morador de Milagres que não quis se identificar disse que “o policial é violento e não quer ser filmado porque comete abusos”. Em um vídeo divulgado na internet (assista aqui), o policial aparece dando socos em outra menina, de 14 anos, durante a comemoração da vitória do atual prefeito da cidade.

“É lamentável que alguns integrantes da Polícia Militar da Bahia extrapolem suas atividades, que deveriam ser em defesa da comunidade, para agredir pessoas indefesas”, afirma o presidente da ABI, Walter Pinheiro. O dirigente também lembrou que a Associação continua aguardando a manifestação do Ministério Público sobre recente ofício da PM querendo normatizar a filmagem ou fotografias de policiais em ação nos recintos públicos. “Ao nosso ver, a orientação contraria a liberdade de expressão, contra a qual a ABI também repudia ataques”.

O que diz a lei

O advogado Yuri Bastos, especialista em Direito Penal, explica que não há qualquer vedação legal para que uma pessoa possa filmar agentes públicos no exercício de suas funções. Mesmo que a adolescente estivesse registrando a ação, ela não poderia ser agredida. “Todo cidadão tem a faculdade de filmar em espaço público qualquer fato que interesse a sociedade”. A exceção, segundo ele, é se houver risco para quem registra e o agente pedir afastamento do local, onde a recusa pode configurar crime de desobediência.

Para o presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-BA, Eduardo Rodrigues, em se tratando de um representante do estado, “a impossibilidade de registro só é justificável nos casos de investigações protegidas pela justiça”. Ele lembra que, em alguns países, policiais trabalham com câmeras acopladas aos uniformes (as chamadas “body-cams”), “para dar transparência às ações e resguardar o agente em caso de falsa acusação”. No Brasil, a polícia de São Paulo criou um projeto-piloto com as câmeras individuais. “Em caso de agressão, não basta divulgar nas redes sociais, é preciso romper o silêncio e procurar as instituições competentes”, alertou. Segundo ele, o primeiro passo é denunciar. Um direito que foi negado a Veronica.

Peregrinação

Veronica ainda se queixa de inchaços e dores em várias partes do corpo – Foto: Reprodução

Ela conta que procurou a delegacia no mesmo dia para fazer o Boletim de Ocorrência (B.O.). Lá, foi orientada a retornar depois do final de semana. Seguiu para o hospital, mas não pode fazer o exame de corpo de delito, uma vez que não tinha a guia fornecida pela polícia. Um áudio a que a ABI teve acesso (ouça aqui) registra o momento em que Veronica volta à delegacia, já no dia 26, e recebe a segunda negativa. “Essa situação não é aqui o local. É no Ministério Público (…). Venha na hora em que o delegado esteja. Eu não tenho autonomia para fazer isso, eu sou escrivão”, afirmou o funcionário identificado como “Junior”.

Na noite de sábado (29), Veronica tremeu ao ver a viatura passar por sua rua. Do banco do carona, o capitão olhou para ela e riu. “Ele passou, debochando de mim. Aí, eu tive medo e decidi procurar a delegacia de novo”. No dia 31, dez dias após a agressão – que seguia sem qualquer registro oficial –, ela conseguiu falar com o delegado em Milagres. Em seguida, buscou ajuda do Ministério Público, em Salvador, onde protocolou a denúncia e voltou ao interior. O Boletim de Ocorrência foi registrado ontem (3/8).

A reportagem da ABI contatou a Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) no dia 26. O órgão determinou a apuração dos fatos e se manifestou nesta quinta (3) através de nota, assim como as polícias Civil e Militar.

CONFIRA AS NOTAS:

Secretaria da Segurança Pública

A Secretaria da Segurança Pública determinou a apuração rigorosa das denúncias de agressões realizadas por um policial militar que atuava no município de Milagres. As polícias Civil e Militar já foram acionadas e cada instituição, dentro de sua atribuição, já iniciou a investigação do caso, que também é acompanhado pela Corregedoria Geral da Secretaria da Segurança Pública.

Polícia Militar

O oficial da PM foi afastado das atividades do município de Milagres pelo Comando do 11º Batalhão. A unidade abriu um procedimento investigatório para a apuração da denúncia e atuará junto com a Delegacia Territorial do município para que sejam adotadas as medidas administrativas pertinentes ao caso.

A Polícia Militar esclarece que o cidadão tem o direito de fazer imagens do policial no exercício de função pública, e caso seja comprovada a postura inadequada do integrante da corporação, ele também responderá por abuso de autoridade.

Polícia Civil

A Delegacia Territorial (DT) de Milagres já instaurou inquérito para apurar as denúncias de agressões feitas por policiais militares contra uma mulher e sua filha, no dia 21 de julho, naquela cidade. A denunciante compareceu na última segunda-feira (31) à unidade e fez o boletim de ocorrência, depois de recebida pelo delegado titular Ricardo Domingos Ribeiro, com quem conversou, narrando o episódio.

Foram expedidas guias para a realização de exames de corpo de delito, no Departamento de Polícia Técnica (DPT). A mulher já havia comparecido, anteriormente, à unidade em duas ocasiões para fazer o registro. Na primeira, após as 18 horas, quando as ocorrências na região são feitas apenas no Plantão Central, em Itaberaba.

A Polícia Civil também apura as causas pelas quais o escrivão da unidade não realizou o registro de ocorrências na segunda tentativa da vítima, que foi orientada a retornar quando o delegado estivesse presente, embora esta não seja a recomendação da Polícia Judiciária.

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