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Debate racial tenso marca audiência da OAB-BA sobre ação da PM no Cabula

O clima era de tensão e intolerância às divergências discursivas durante a audiência pública realizada ontem (26) pela Ordem dos Advogados do Brasil – Seção Bahia (OAB-BA), com o objetivo de discutir a ação das Rondas Especiais (Rondesp) no Cabula, no último dia 6 de fevereiro, e os limites para o uso da força militar. Com ânimos exaltados e discussões acaloradas, policiais defenderam seus colegas, enquanto integrantes de movimentos sociais rebatiam e denunciavam estar sofrendo ameaças por e-mail, que seriam motivadas pelos protestos exigindo celeridade nas investigações. “Isso não pode continuar assim. A vida da gente tem que ter valor. Não pode apenas a palavra do policial que foi para o confronto afirmar que eram bandidos e constar como comprovado. Tem que apurar. O Governo acha que nossa vida está em jogo. Rui (Costa) trata sua policia genocida como artilheiro num jogo de futebol. Tirar nossas vidas não é um gol de placa, como ele classificou”, afirmou Hamilton Borges, membro da campanha “Reaja ou Será Morto – Reaja ou Será Morta”.

Protestos_Reprodução rede bahia“Povo negro unido, povo negro forte, que não teme a luta, que não teme a morte”. Esse foi o grito entoado pela multidão que lotou o auditório da Ordem baiana. A sessão marcada por intenso debate racial estava prevista para começar às 9h, mas teve início com cerca de uma hora de atraso por causa da falta de espaço e dos confrontos entre integrantes de movimentos sociais e policiais, estes acusados de estarem armados no local. Embora o tema fosse a ação que deixou 12 mortos e três feridos no Cabula (incluindo um policial), a principal discussão foi a necessidade de políticas públicas voltadas para a reparação e garantia dos direitos dos afrodescendentes.

Apesar dos protestos e pedidos de adiamento, o presidente da OAB-BA, Luiz Viana Queiroz, manteve a sessão e se comprometeu a realizar uma segunda audiência sobre o tema, em um espaço que comporte as centenas de pessoas que se espremiam no auditório com capacidade apenas para 150. O dirigente anunciou que a entidade vai acompanhar as investigações das 12 mortes da Estrada das Barreiras, por meio de uma comissão. Disse, ainda, lamentar a ausência do secretário de Segurança Pública do Estado da Bahia, Maurício Barbosa e do comandante-geral da PM, Ancelmo Brandão, ambos convidados pela Ordem baiana à audiência solicitada pelo movimento Reaja ou Será Morto – Reaja ou Será Morta.

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“A OAB está ao lado de todos os que defendem os direitos humanos. Nós não estamos acusando ninguém, apenas exigimos que o governo apure o que aconteceu para que não pairem dúvidas. Temos um saldo muito positivo. Uma audiência extensa e profunda, com posições divergentes e, em alguns momentos, conflituosas, o que demonstra que há um anseio pela discussão, seja sobre o caso do Cabula, seja sobre a política de segurança pública para a Bahia. Eu saio daqui convencido de que temos ainda um caminho longo, que vai se desdobrar em outras audiências públicas, em reunião com o governador e a indicação de uma comissão para acompanhar as investigações”, disse Luiz Viana.

Público-Reprodução rede bahia
A sessão foi interrompida diversas vezes por conflitos entre policiais e integrantes de movimentos sociais – Foto: Reprodução/Rede Bahia

O presidente da Associação de Praças da PM, Sgt. Roque Santos, afirmou que os policiais estão sendo injustiçados e classificou a audiência como “positiva” pela oportunidade de expor o lado da polícia. “Só podemos ter um posicionamento sobre a ação do Cabula depois das investigações. A sociedade não pode condenar todos os policiais militares por causa desse episódio. Somos negros, pobres, da periferia e estamos do lado do movimento negro, mas também vimos aqui para mostrar que é o policial quem está no combate, é quem recebe os tiros. Nós não somos executores, somos protetores da vida”.

Entre as principais propostas apresentadas pelo público estão a reestruturação da Segurança Pública, a aprovação da PEC que extingue os altos de resistência e a federalização de crimes cometidos pela polícia. Após intensos debates, Luiz Viana assegurou a realização de duas audiências públicas: uma para discutir a morte e segurança de policiais militares e outra para discutir os limites do poder de Polícia Militar. O gestor da OAB-BA também pediu para que a população enviasse sugestões objetivas ao e-mail da Comissão de Direitos Humanos da Ordem ([email protected]). Luiz Viana afirmou que levará todas as solicitações dos movimentos sociais para o governador, como dar maior transparência às investigações e garantir que todo processo respeite os princípios da legalidade.

O secretário da Justiça e Direitos Humanos, Geraldo Reis, afirmou que já está agendada uma reunião com o governador Rui Costa para tratar das investigações das mortes durante a operação. Entretanto, ainda não há datas fixadas. Participaram do debate movimentos sociais, representantes de associações de policiais, o diretor da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) Romário Gomes, além de vereadores, do ex- deputado Capitão Tadeu e secretário de Promoção da Igualdade. Estiveram presentes também o vice-presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI), Ernesto Marques, e o diretor Luis Guilherme Pontes Tavares.

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Em Salvador Comissão Estadual da Verdade ouve presos da ditadura

Foto: Francisco Galvão

Depois da audiência pública na cidade de Feira de Santana, a Comissão Estadual da Verdade ouviu, em Salvador, o então prefeito da capital no ano de 1964, Virgildásio Senna, preso durante o regime militar por 60 dias. O ex-prefeito falou da importância da Audiência Pública da Comissão Estadual da Verdade para os mais novos. “A Comissão vai poder mostrar nestes dois dias para a sociedade, através de depoimentos de fontes fidedignas, os fatos como realmente aconteceram. Isso é de grande valia para os mais novos que não tiveram acesso ao verdadeiro significado dessa época para o Brasil”.

Ao lado do pai, Suzana de Senna lembrou os momentos tristes que vivenciou no início da adolescência, após a prisão de 60 dias do ex-prefeito. “A ditadura deixou marcas profundas na nossa família. Porém, esse encontro é fundamental para que outras gerações conheçam um pouco mais sobre esse período e que é possível fazer política com dignidade”, disse.

Coordenada pela Comissão Estadual  da Verdade, a  Audiência Pública  que teve início ontem (3) ouvirá oito pessoas que foram alvo  de repressão do regime militar instaurado no país.  Segundo Joviniano Neto, coordenador da Comissão, ela foi criada para reconstruir a verdade sobre as violações dos direitos humanos ocorridos entre  1946 e 1988, em especial o período da ditadura militar de 1964 até a constituição de 1988.

O objetivo é aumentar pesquisas

Joviniano Neto destacou também que, na Bahia, a Comissão ainda  está sendo implantada,  e  que esse encontro tem a finalidade de garantir  a efetivação do Convênio com o estado para garantir mais profissionais  para a realização de pesquisas dentro e fora do estado. “A Comissão da Verdade não tem poderes persecutórios nem juridiscionais. Não formaliza denúncia, como o Ministério Público, nem julga e sentencia crimes, como o Judiciário. É Comissão da Verdade mas não é Comissão de Justiça. O julgamento e punição legal dos torturados é outra etapa. Mas, a respeito, costumo lembrar o Velho Testamento: “quem diz a verdade, manifesta a justiça”, declarou.

Também, pela manhã, prestaram depoimentos Theodomiro Romeiro dos Santos – juiz aposentado do Trabalho que entrou para a história como o primeiro condenado à morte na República, e depois anistiado –, que falou da sua participação em grupos de contestação ao regime e das torturas e perseguições sofridas à época; O ex-militante Luiz Contreiras, engenheiro e ex-dirigente do Partido Comunista Brasileiro, que fez um relato minucioso do seu envolvimento nas ações e o sofrimento lhe imposto pelos órgãos de repressão; e finalizando, o auditório ouviu o artista plástico Juarez Paraíso, que fez entrega de um documento com suas lembranças do período da ditadura.

À tarde, das 14 às 18 horas, prestaram depoimentos Olderico Barreto, preso e torturado, irmão de José Barreto, que foi assassinado junto com Carlos Lamarca, em Brotas de Macaúbas, e Eliana Rolemberg, socióloga, presa, torturada e exilada na década de 70.

Participando da audiência como integrante da Comissão Estadual da Verdade, o presidente da Associação Bahiana de Imprensa (ABI) e diretor-presidente da Tribuna da Bahia, Walter Pinheiro, destacou que as audiências públicas tiveram início na cidade de Feira de Santana, situada a 100 km de Salvador,  com depoimentos de vítimas da ditadura do golpe de 1964, com destaque para o juiz aposentado Antonio Pinto, e que agora a capital baiana está sediando os encontros com a mesma finalidade de promover a verdade dos fatos por meio de depoimentos das pessoas que foram  torturadas durante a Ditadura Militar.

Após as audiências, a Comissão da Verdade vai elaborar um documento nacional oficializando o direito à memória sobre esse fato.  A audiência prossegue até hoje, no Auditório da Reitoria da Universidade Federal da Bahia, no Canela. À tarde, o jornalista Emiliano José, que lutou contra o golpe militar, foi preso e torturado; a jornalista Mariluce Moura, viúva de Gildo Macedo Lacerda, sequestrado e morto, e cujo corpo até hoje está desaparecido;  e o sindicalista Marival Caldas, um dos fundadores do Sindipetro, estão entre os depoentes.

Fonte: Tribuna da Bahia

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