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Série de reportagem baseia audiência pública sobre estupros na Bahia

Pouco a pouco, o silêncio está sendo quebrado. Pouco a pouco, mais e mais vozes começam a ecoar. Desde que o jornal Correio* começou a publicar a série sobre estupros ocorridos na Bahia – intitulada “O Silêncio das Inocentes” –, na última quarta-feira, foram mais de 60 mil acessos ao conteúdo no site especial, além de milhares de compartilhamentos em redes sociais. E, para ajudar a promover a reflexão e o debate, nesta segunda-feira (14), a partir das 8h, uma audiência pública será promovida pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), em parceria com o jornal, na sede do órgão, no CAB (5ª Avenida, n° 750). Com o tema “O Silêncio das Inocentes: um Debate sobre Estupros na Bahia”, o evento é baseado na série de reportagens e será transmitido pela internet, pelo site (assista aqui).

debate MP e correioQuem assistir à transmissão online, também poderá enviar suas perguntas ou contribuições. Para o evento, o Correio* ainda convidou a gerente de comunicação da campanha Chega de Fiu Fiu, Luíse Bello, que vai participar da mesa junto com os repórteres Alexandre Lyrio, Clarissa Pacheco e Thais Borges — responsáveis pela produção do especial —, a promotora Márcia Teixeira, a coordenadora do Serviço Viver, Dayse Santas, o delegado Adailton Adan, titular da 1ª Delegacia (Barris), e o obstetra David Nunes, do Iperba.

Silêncio quebrado – Na página do veículo, um dado chama atenção: o alcance da série já traz respostas e vítimas de violência sexual já procuram órgãos para denunciar abusos. Entre quarta e sexta-feira, pelo menos cinco mulheres buscaram a sede do Grupo de Atuação Especial em Defesa da Mulher (Gedem) do MP-BA, mobilizadas após a leitura das matérias. “Elas leram as reportagens e vieram nos procurar. Acho que já podemos ficar muito felizes (com a repercussão)”, afirma a promotora Márcia Teixeira, coordenadora do Gedem.

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A pacificação do Rio, agora manchada por um estupro coletivo

DEU NO EL PAÍS*

As 38 Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) instaladas desde dezembro de 2008 em várias favelas do Rio de Janeiro estão definitivamente no olho do furacão. Depois de vários casos de corrupção e violência desenfreada que já vinham manchando a imagem de diversas unidades, o contingente pacificador destacado na favela do Jacarezinho, uma área da zona norte do Rio outrora conhecida como Faixa de Gaza, é agora alvo de uma denúncia de estupro tendo como vítimas três jovens de baixa renda, uma delas menor de idade. Segundo as vítimas, o crime foi cometido na madrugada de terça-feira por quatro agentes que já estão sob prisão preventiva e que serão julgados por tribunais da Polícia Militar. Dessa maneira, o mesmo projeto que surgiu sob a aprovação quase unânime dos principais especialistas em segurança pública enfrenta hoje uma crescente resistência por parte de um setor nada desdenhável das favelas ocupadas, e a nova denúncia solapa ainda mais a sua credibilidade.

“É um incidente muito grave, que demonstra que a relação entre a polícia e essas comunidades está muito longe do objetivo inicial do projeto das UPPs”, opina o sociólogo Ignacio Cano, especialista na questão da violência. Diante da gravidade do fato, a Polícia Militar se apressou em emitir uma nota afirmando que “as medidas adotadas serão rigorosas, incluindo a prisão e a possível expulsão da instituição [dos autores do crime, uma vez que se confirme sua culpa]. O comando da PM lamenta o episódio e repudia esse crime bárbaro, ressaltando que não coincide em nada com o comportamento que se espera de um policial”, conclui a nota.

“É uma reação positiva, já que se abre a possibilidade de uma investigação, algo que não tem sido frequente na Polícia Militar. Isso é fundamental para que se acredite no sistema e para que as pessoas continuem denunciando esses crimes”, comenta Cano.

Já a socióloga Jacqueline Pitanguy, coordenadora-executiva da ONG Cidadania, Estudo, Pesquisa, Informação e Ação (Cepia), afirma que “quando quem comete esse delito é um agente do Estado, a mulher passa a ser triplamente vulnerável, já que é muito mais difícil que sua denúncia chegue a bom porto e, o mais preocupante, que ela não sofra represálias”.

A agressão relatada pelas vítimas, que já identificaram os agressores entre 60 agentes apresentados para reconhecimento, aconteceu a poucos metros de umas das vias ferroviárias que cruzam a favela do Jacarezinho. Ali costumam se reunir consumidores de crack, fazendo dessa zona uma das cracolândias mais conhecidos da zona norte carioca. As operações policiais e de agentes sociais são permanentes na região, embora até agora não tenham conseguido acabar com o acampamento improvisado de consumidores.

Segundo os primeiros relatos, uma patrulha de seis agentes se aproximou das jovens e as obrigou a irem até um local próximo, onde o estupro coletivo teria ocorrido. O Instituto Médico Legal (IML) do Rio submeteu as vítimas a perícia para determinar a autoria do crime. Os soldados Gabriel Machado Mantuano, Renato Ferreira Leite, Wellington de Cássio Costa Fonseca e Anderson Farias da Silva, todos com menos de três anos de serviço na Polícia Militar, encontram-se detidos no presídio militar de Benfica, no Rio do Janeiro. Só um deles confirmou o estupro.

O episódio põe sobre a mesa o debate a respeito da violência sexual, frequentemente ofuscado pelas notícias de tiroteios, homicídios e autos de resistência no Rio de Janeiro. Pitanguy acredita que “enquanto o tráfico de drogas imperava nas favelas atualmente ocupadas pelas UPPs, as mulheres estavam mais indefesas. Uma vítima de violência doméstica ou sexual dificilmente podia sair da comunidade e denunciar [o caso] à polícia”.

Segundo dados contabilizados no Dossiê Mulher, elaborado anualmente pelo Instituto de Segurança Pública (ISP) do Rio de Janeiro, o número de estupros no Estado vem crescendo exponencialmente desde 2008. Em 2012 (6.029 casos), 82,8 % das agressões sexuais tiveram como vítimas mulheres, a maioria entre 5 anos e 19 anos de idade, brancas ou pardas, e solteiras. De acordo com Cano, “não se sabe se esse aumento se deve ao fato de que as pessoas denunciam mais ou à ocorrência de mais estupros”.

Pitanguy acrescenta que “a partir do momento em que a violência sexual tem uma maior visibilidade pública e passa a ser um fenômeno descrito nas estatísticas criminais, já estamos diante de um avanço. O mais perigoso é quando é invisível, quando não é contabilizada e quando não há espaços para denúncia. Durante muitas décadas, no Brasil, essa era a situação”.

*Francho Barón para o El País (Edição Brasil)

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