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Artigo: Sérgio Mattos, 70 anos de um jovem que faz acontecer

Por Francisco Viana*

Sérgio Mattos é mais que um jornalista. Ele é um dos precursores da aproximação do mercado jornalístico com a Academia, numa época em que isso soava quase como uma heresia. Pesquisador da Sociedade Brasileira do Estudos Interdisciplinares da Comunicação, com ênfase para a televisão, doutor pela Universidade do Texas, escreveu para a Tribuna da Bahia e A Tarde, sempre se destacando pela vasta produção literária. Do livro especializado ao artigo, da poesia ao ensaio, revela-se, acima de tudo, um intelectual sensível e progressista, denso e atento às diferentes versões da comunicação. Sempre acompanhou sua época e soube ler as mudanças do tempo, se curvando aos ensinamentos da poeta Hilda Hilst, que ele cita em uma epígrafe: “Há sonhos que devem ser redesenhados, projetos que não podem ser esquecidos.” E assim tem sido.

Quem ler as suas memórias, Vida Privada no Contexto Púbico, certamente descobrirá uma nova faceta de Sérgio Mattos: o romance de formação. No passado, a referência ao romance de formação foi concebida por Goethe em Os anos de aprendizado de Wilhelm Meister, escrito entre 1794-1795, obra que inova com os conceitos de possibilidade e o diálogo da individualidade com a sociedade e seu estranhamento com o mundo. Mattos fixa-se nas suas experiências públicas e, nesse ambiente, transcende o plano autobiográfico para transmitir valores que exercitou ao longo dos seus mais de 50 anos de dedicação ao jornalismo e mais de 40 ao ensino universitário, hoje centrados na Universidade Federal do Recôncavo da Bahia.

Corajoso esse cearense nascido há 70 anos em Fortaleza que chegou à Bahia no distante ano de 1959, aos 11 anos, o mesmo ano em que a Bossa Nova foi apresentada ao mundo na forma da trilha sonora do filme Orfeu Negro, dirigido pelo cineasta francês Marcel Camus. Ele foi para os Estados Unidos sem quase falar inglês e voltou não apenas fluente, mas com vários convites para ensinar em universidades americanas.

Fez novamente opção pela Bahia e, daqui construiu o seu universo de vivências e realizações. Não imagina como teria sido sua carreira se tivesse ficado nos EUA, mas é certo que teria vencido.

A vida de Sérgio Mattos foi movimentada desde a juventude. Militante da Juventude Estudantil Católica, que se desdobrou na Ação Popular, na defesa de um socialismo humanista – a esquerda cristã no Brasil, de saudosa e brava memória –, envolveu-se com teatro, música, promoção da cultura baiana, edição de livros e foi idealizador de A Tarde Municípios. Experiência regional pioneira no País que de 1985, quando começou, a 2003, quando se desligou do jornal, muito contribuiu para fazer de A Tarde o maior jornal do Norte e Nordeste do Brasil. A Tarde Municípios circulava com um mínimo de oito páginas, chegando a registrar recordes de 32 páginas duas vezes por semana. A partir de 2000 sua circulação foi diária. Dava voz a todos os municípios e elasteceu o mercado publicitário.

O livro Vida privada no contexto público é, à primeira vista o registro das vivências de Mattos, mas é também um retrato do Brasil. A história da Bahia é contada tendo como pano a história brasileira, assim como a história do venerando jornal A Tarde, de mais de 100 anos, hoje ameaçado de fechar as portas. Há nessa fusão, Bahia-Brasil-jornalismo, uma crítica social, a dialética entre o público e o privado e inquietude na busca de novo caminhos. Três casamentos, três mulheres de “ personalidades fortes”, muitas descobertas, muitos sucessos e frustrações depois, Sérgio permanece um vivo sonhador. Aos 70 anos, é um exemplo para as novas gerações pois permanece jovem e sonha. Seus livros sobre televisão, entre eles A televisão na era da globalização e História da televisão. Brasileira são clássicos no gênero.

Fui contemporâneo de Sérgio Mattos. Quando comecei na profissão ele, originário da Tribuna da Bahia, era quase um mito no jornalismo. Sua trajetória revela-se real. E ele, de carne e osso, um homem destemido, criativo e poético. É motivo de justificado orgulho para todos que o acompanham. A Sérgio Mattos o melhor das nossas homenagens.

*É jornalista e doutor em Filosofia Política ( PUC-SP). Texto publicado no jornal Tribuna da Bahia,  em 31-08-2018

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