Valcke (FIFA) e Dilma: Dias de tentação autoritária no país da Copa

Vitor Hugo Soares*

Um fenômeno tornou-se mais visível e preocupante, desde que o secretário-geral da FIFA, Jerôme Valcke  – homem forte da categoria dos pesos pesados da entidade que controla o futebol mundial – pisou no começo da semana passada, mais uma vez, por estas bandas tropicais: sobra no ar a eletricidade que falta e tem produzido frequentes “apagões” nas linhas administradas pelo ministro da Energia, Edison Lobão, no governo federal.

O principal efeito (e o mais grave): a recorrente tentação das medidas de exceção parece rondar, perigosamente, o Palácio do Planalto e o espírito dos atuais donos do poder e seus acólitos, à medida que os jogos do Mundial e os comícios eleitorais das eleições quase gerais (com destaque para a sucessão presidencial) se aproximam. Luz amarela acesa neste começo de 2014, marcado desde já por estes dois eventos carregados de paixões e cargas elétricas de alto poder explosivo.

Superando o barulho dos blocos, escolas de samba e até dos ensurdecedores trios elétricos, em seus ensaios finais e festejos pré-carnavalesco, soam mais fortes os rugidos de tom e sentido autoritários partidos de Brasília. Coincidentemente (ou não?), vale acentuar, os ruídos ganharam corpo a partir do mais recente desembarque de Valcke, “pau para toda obra” da FIFA.

Desde a chegada, ele falou, atuou, mandou e desmandou em seu périplo por diferentes regiões do país. Mal comparando, pareceu em alguns momentos um co-gestor nacional, um coadjuvante poderoso da presidente Dilma, com mais poder de fogo e autonomia que a maioria dos ministros de Estado, incluído o de Esportes, Aldo Rebelo.

O cara da FIFA ditou regras e fez ameaças, veladas ou explícitas. Entre saraivadas de tabefes e raros sorrisos e “agrados” (os elogios rasgados ao estádio dos jogos da Copa em Manaus, por exemplo) ele mandou ver. Sem cerimônias: Suas vontades e ordens ecoaram da Amazônia ao Paraná; da Bahia ao Ceará; de Minas ao Rio; de São Paulo a Brasília e mundo afora. Com algumas aprovações de praxe e muitas desconfianças.

Afinal, ele nem sempre limitou-se às determinações relacionadas diretamente com o esporte que compete à sua entidade gerir. Embora a FIFA e seus dirigentes, cada vez mais, assumam aqui e em outras partes do mundo o jeito e o “modus operandi” de empresas de negócios multinacionais. Daquele tipo que atropela e passa por cima (ou tenta) de quem atravessa o caminho de seus interesses. Nem sempre esportivos, limpos, ou transparentes, como demonstram os sucessivos escândalos e denúncias dos últimos anos. Alguns cavernosos, até, envolvendo somas milionárias e ainda à espera de esclarecimentos cabais.

O pior, e mais preocupante, é verificar que o “vírus autoritário” parece ter alcançado o Palácio do Planalto e contaminado a sua principal ocupante: a presidente Dilma Rousseff, uma ex-guerrilheira urbana das lutas contra a ditadura militar (com civis no meio), que sentiu na própria pele os efeitos mais duros do regime de exceção.

Digo isso, a deduzir por suas manifestações recentes. Uma delas merecedora da manchete publicada esta semana pela Folha de S. Paulo, enquanto Valcke andava pelo País: “Dilma diz que Exército pode agir contra manifestações anti-Copa”.

Mais devagar com o andor! Cuidado com a fragilidade do santo, que quando cai e se parte, fica difícil, quase impossível de remendar.

Em dias assim, nada mais oportuno que recordar um velho sempre atual e sábio político, pensador e tribuno brasileiro, do qual o país sente saudades toda vez que a tentação autoritária ataca dirigentes e políticos. Falo do ex-presidente da Câmara, Ulysses Guimarães. O “Doutor Ulysses”, comandante das lutas civis de restauração democrática. Guia singular e principal avalista da Constituição de 1988, avesso a aventuras autoritárias, por mais tentadoras que possam parecer.

Doutor Ulysses costumava dizer, e escrever, que o golpe de 64 ressuscitou, do cemitério da oligarquia perrepista (PRP), sepultado que foi pela Revolução de 30, o lema cínico de que, “feio em política é perder as eleições”.

“Feio  não é prender arbitrariamente, fraudar eleições pelo dinheiro e pela pressão da máquina administrativa, admitir ou remover funcionários por perseguição, espancar estudantes, nomear parentes e amigos. A inflação não é feia. Feio é perder as eleições”, reagia, com firmeza e indignação cívica, o bravo e saudoso parlamentar e líder brasileiro (de verdade e como poucos).

Os fatos e ruídos, desta semana, parecem indicar que chegou a hora da sociedade ficar mais atenta ao barulho em sua volta e refletir, novamente, sobre as palavras e exemplos do Doutor Ulysses, em passado nem tão distante assim.

Ou não? Responda quem souber.

Fonte: Blog do Vitor Hugo Soares/Terra Magazine

*Vitor Hugo Soares é jornalista, editor do site blog Bahia em Pauta. E-mail: [email protected]

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