Fotografia

Emoções & Emoções – Valter Lessa

Por Valter Lessa*

Comecei a trabalhar com 9 anos de idade, ajudando na bodega do meu saudoso e inesquecível pai, Augusto Valadares Pontes (1903-1969), em Itapipoca-CE. São 77 anos praticamente ininterruptos, com raríssimos períodos de férias.
Nesse tempo, tenho vivenciado e documentado através das lentes das minhas máquinas fotográficas quase todas as fases da vida de uma pessoa, quer do aspecto propriamente humano, social, cultural e afins.
Do nascimento, os primeiros e inseguros passos, sob o olhar atento das mães, a ida a escola com os pais, a maioria das vezes em carro próprio, pois elas não conhecem o transporte coletivo, o ônibus, só pela televisão ou pelo vidro do seu carro, que está sempre fechado, com ar condicionado. Sua transformação da infância para a juventude e em seguida a adolescência, até a fase adulta, com o namoro, o noivado e o casamento. Tudo isto no mundo das classes média e alta.
Também sou privilegiado de uma memória maravilhosa quando lembro das famílias que tem seu habitat nas favelas e nas encostas dos morros, e que passam muitas noites em claro, não pelo brilho da lua, essa lua que, do outro lado da vida, inspira aos casais de namorados em juras de amor sem fim, ao som de melodias selecionadas ao gosto de cada um.
A clareza que me refiro é a preocupação constante do medo de seu barraco ser desmoronado pelas chuvas e os assustadores raios com as lágrimas da angústia e do desespero, até o dia amanhecer. Aí, a mãe pela mão leva a criança para ser entregue a uma vizinha até sua chegada à noite, quando o ideal seria levá-la a uma creche.
Com todas essas experiências, pensava estar imune a qualquer emoção, mesmo com a extraordinária carga de adrenalina a borbulhar no meu cérebro.

Foto: Valter Lessa (1980)

Estava enganado. Ela surgiu inesperadamente e com força total. Foi no dia 1º de junho de 1980, no km 34 da Rodovia BR 430, trecho compreendido entre Igaporã, sentido Bom Jesus da Lapa, quando vi dois garotos, Robson e Cláudio, divertindo-se com os brinquedos que eles mesmo construíram: um caminhão pipa e uma motoniveladora, talvez, sonhando, um dia poderem estar dirigindo as possantes máquinas de verdade ou, quem sabe, serem donos de muitas delas.
Queira Deus, tenham alcançado seus sonhos, caminhando pela estrada da concórdia e da felicidade, ajudando o progresso, rumo ao desenvolvimento do país.
Eu, um mero coadjuvante deste cenário, agradeço ter resistido a tamanha emoção, sem nenhum abalo sísmico no coração, apenas algumas lágrimas derramadas e enxugadas naturalmente, com a toalha de todos os deuses e orixás.

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*Valter Lessa é fotógrafo e diretor da Associação Bahiana de Imprensa – ABI

Nossas colunas contam com diferentes autores e colaboradores. As opiniões expostas nos textos não necessariamente refletem o posicionamento da Associação Bahiana de Imprensa (ABI).
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