ABI BAHIANA

ABI conclui digitalização do jornal Foia dos Rocêro

Em parceria com a Fundação Pedro Calmon, a Associação Bahiana de Imprensa – ABI iniciou o processo de transposição dos seus acervos para o formato digital. Cerca de mil documentos já foram digitalizados, entre jornais, fotografias, e boletins e atas da própria instituição. Agora, pesquisadores terão acesso à versão digital do semanário que circulou em Salvador no século XIX.

Poucas fontes históricas permitem tantas possibilidades de investigação quanto o jornal. Através de suas páginas, é possível viajar no tempo e, pelos olhos da imprensa, reconstituir uma parte da nossa história. Com o avanço das mídias digitais, as instituições têm repensado seus acervos, encontrando na digitalização uma importante ferramenta para conservar e disponibilizar os arquivos à sociedade. No rol das iniciativas para preservar a memória da imprensa no estado, a Associação Bahiana de Imprensa (ABI), em parceria com a Fundação Pedro Calmon (FPC), digitalizou a coleção do jornal humorístico Foia dos Rocêro, periódico que circulou em Salvador no século XIX. A partir de agora, pesquisadores não terão acesso aos originais do semanário, mas ao formato digital.

O principal objetivo da ABI com a digitalização é salvaguardar seu importante arquivo histórico enquanto amplia as possibilidades de acesso ao acervo. A instituição possui livros raros e documentos históricos, um conjunto formado por coleções de revistas especializadas, jornais, fotografias, além das bibliotecas pessoais de jornalistas como Jorge CalmonJoão Falcão e Berbert de Castro. As obras abrigadas pelo Museu de Imprensa da ABI e pela Biblioteca de Comunicação Jorge Calmon procedem também do acervo de outros personagens centrais para a história da imprensa e do cinema baianos, como o cineasta Walter da Silveira.

Segundo Valdicley Vilas Boas, coordenador de Arquivos do Centro de Memória da Bahia (unidade da Fundação Pedro Calmon), através da cooperação técnica, cerca de mil documentos sob a proteção da ABI já foram digitalizados, entre jornais, fotografias, e boletins e atas da própria instituição. Na Bahia, só a Fundação tem o scanner planetário que possibilitou a digitalização dos 57 títulos da Foia dos Rocêro. Ele explica que se trata de um equipamento para digitalização suspensa, ideal para arquivos delicados. “Qualquer documento corre o risco do desaparecimento. O cuidado é para preservar o arquivo original”, destaca.

Capas da Foia dos Rocêro – Reprodução

A museóloga Renata Ramos, responsável pelo Museu de Imprensa da ABI, afirma que a ação é importante para a conservação do material. “O desgaste começa com a manipulação pelo pesquisador, mesmo que sejam adotados rigorosos procedimentos de consulta. A restrição do manuseio contribui para a preservação do estado físico dos documentos”, ressalta. Ramos lembra que durante muito tempo, arquivos, museus e bibliotecas foram os únicos depositários de documentos. “Agora, não é mas preciso contar com a disponibilidade dos documentos nas instituições. A digitalização é um instrumento capaz de dar acesso simultâneo local ou remoto, um reforço na difusão do nosso acervo documental”, argumenta. A ABI está se preparando para disponibilizar ao público os arquivos digitalizados e vai também reabrir o Museu de Imprensa, nos próximos meses.

Pesquisas históricas

Quem recebeu a notícia com alegria foi a jornalista e pesquisadora Neuma Dantas. Ela é autora do livro “Foia dos Rocêro: Crítica política e humor na imprensa baiana do século XIX”. Neuma realizou um verdadeiro trabalho de tradução, para resgatar a história do jornal satírico que usava a linguagem caipira, pseudônimos e ilustrações como armas de crítica política e meios de burlar a censura velada da época. A quase totalidade dos 92 exemplares consultados por Neuma Dantas foi encontrada no acervo da ABI, principal fonte de pesquisa para a produção do livro.

Capa do livro “Foia dos Roçêro”, de Neuma Dantas – Foto: Reprodução

“Isso significa muito! É um grande salto nas pesquisas dos estudiosos brasileiros, que terão mais acesso, mais higiene, trabalho em menos tempo e mais facilidade para encontrar os dados, além disso, temos a preservação de um patrimônio valioso, que é o acervo da imprensa brasileira”, destacou. A jornalista falou de sua experiência na ABI e agradeceu aos profissionais que conduzem os equipamentos culturais da entidade. “A notícia da digitalização da Foia é um alívio, uma alegria imensa, porque é um objeto de pesquisa que é o retrato de uma época, da vida social, política, cultural, religiosa… Meu eterno agradecimento”, comemorou.

Com seus desenhos irreverentes e narrativa humorística, a Foia dos Rocêro criticava os modos políticos e socioeconômicos, zombando dos poderosos como meio de apresentar a notícia silenciada. A investigação de Neuma evidencia que a imprensa é, muitas vezes, a fonte fundamental para se compreender momentos históricos. Mas, a fragilidade e as limitações do papel impresso representam dificuldades para os pesquisadores, conforme ressalta o jornalista e publicitário Nelson Cadena. “Uma das grandes lacunas de nosso acervo cultural é a falta de um projeto de digitalização de nossas coleções de periódicos: centenas deles que resistem ao tempo, às pragas, à má conservação, ou, inadequação dos espaços em que são arquivados”, critica.

De acordo com o pesquisador, ao longo dos mais de 200 anos de imprensa escrita na Bahia, já circularam mais de cinco mil títulos. “Em número estimado, já que não há nenhum catálogo de referência”, lembra. “A importância das coleções de periódicos é tão relevante quanto à documentação primária para qualquer pesquisa histórica”, afirma Cadena. Para ele, preservar esses acervos tornou-se imprescindível. “A digitalização é o caminho. ‘Digitalizar já’ é uma questão de honra e deveria ser um mantra”, defende.

Foia dos Rocêro nº 17- 4ª Duminga do méis de março de 1900 – Foto: Reprodução

“Os estudos sobre a História da Imprensa baiana carecem de estímulos, sobretudo, dos professores de graduação e pós das faculdades de Comunicação e História oferecidos na Bahia e em outros estados”, pontuou o jornalista e pesquisador Luís Guilherme Pontes Tavares, diretor de Patrimônio da ABI. Ele também reforça a importância da iniciativa da entidade. “Disponibilizar fac-símile de documentos e coleção de periódicos constitui apoio fundamental para esses estudos. Louvo, de modo especial, o oferecimento da Foia dos Rôcero, extraordinário jornal que nutria seus leitores com notícias revestidas de humor e em linguagem caricatural. Que venham mais e mais”, completou.

Relacionada:

publicidade
publicidade